domingo, 24 de setembro de 2017

Paredes

Se em tempos a busca por uma casa era fácil, agora é uma verdadeira odisseia. Não só porque os preços andam astronómicos (e não estou a falar de nenhum palacete), mas também porque os critérios são bastante mais exigentes. 

Nunca nos apegámos a nenhuma casa, para dizer a verdade a casa da Serra (a que está escangalhada) foi a primeira onde investimos verdadeiramente. Foi a primeira que nos fez comprar mobílias, foi a primeira onde nos sentimos verdadeiramente em casa. Era a nossa casa.

Depois do acidente tudo mudou. Deixou de ser a nossa casa, tudo desapareceu e em vez de recordações aquelas paredes passaram a guardar medos e inseguranças. Os cheiros desapareceram.
A recuperação da casa e dos bens terá de ser tratado em tribunal e parece-me que a jornada vai ser longa.



Começámos a procurar umas paredes para guardar as recordações antigas e criar memórias. Sim, a casa que escolher-mos servirá para criar novas recordações. Seja ela onde for.

Se antes pouca coisa importava, agora a lista é grande. Queremos umas paredes onde o Pintainho possa crescer em segurança e ser feliz, ser criança. Porque para medos e incertezas já nos bastam todos os outros.

Queremos umas paredes que possamos encher de amor e risos, onde possamos ser novamente uma família, onde possamos entrar e respirar, sentir os nossos cheiros e sabores. Queremos um chão para rebolar, onde possamos ficar aconchegados como se de um só corpo se tratasse. Paredes onde o tempo não tem o mesmo compasso de um relógio. Uma casa é isto. É entrar por uma porta e sentir uma avalanche de coisas boas e só coisas boas. Queremos paredes que nos permitam sonhar e fazer promessas com o coração. Porque no fim de contas, o que importa é o amor.

domingo, 10 de setembro de 2017

Robe

Na sexta feira pendurei o robe!
É isso, terminei a Radioterapia na sexta feira e pendurei o robe no cabide do gabinete 25 na esperança de ser a última vez.
Não festejei, não me entusiasmei, não pensei. Entrei como se de um dia normal se tratasse. A quem me mostrou entusiasmo disse que não ia festejar, porque cada vez que festejava alguém se encarregava de me arranjar o que fazer. Foi uma vitória sem som.
Foram 30 minutos como todos os outros 30 minutos em que estive no forno radioativo durante três semanas.
Tenho uma margarida cozinhada e uma crua...

Não sei o que me espera depois disto. Nunca perguntei o que vinha a seguir pois nunca pensei chegar até aqui. Ter cancro foi como uma sentença de morte e por isso, embora não tenha planeado o meu funeral, também nunca me preocupei com o que vinha depois e para dizer a verdade não tinha motivos para festejar.

Agora veio-me à cabeça uma conversa que tive em tempos onde a pergunta era: como é que eu gostava que fosse o meu funeral? Aqui está uma pergunta para o qual não tenho resposta, pois como disse nunca o planeei. Olhem, façam como quiserem!

O Pintainho na quinta feira teve a famosa troca de gessos. Antes tinha ido fazer um Raio-X. Confesso que estava com alguma expectativa, a semana passada as notícias até eram boas e estávamos prestes a passar para as botinhas. Desta vez, quanto os pés ficaram ao léu a cara dos enfermeiros disseram tudo e eu já conhecia bem aquela expressão. O Pintainho voltou a fazer ferida no pé mau. Saiu sem gessos e sem botas e, para piorar um bocadinho o pé mesmo nos gessos regrediu e terá de fazer nova tenotomia ao pé esquerdo.
Levei um balde de água fria, mas desta vez não chorei. Estou seca e já nada me escorre dos olhos. Olhar para o meu filho e não poder fazer nada é o pior que posso sentir. Não o desejo a ninguém!
Todas as noites lhe dou banho, agora de banheira cheia para ele chapinhar como tanto gosta, mas ao ver a felicidade dele, sinto que o estou a enganar. Daqui a uns dias (a cirurgia ainda não está marcada) vou-lhe tirar o chupa das mãos e prende-lo novamente nos gessos. Como diz o Super-Homem: "ele é tão bom tão bom que dá dó ter de passar por tudo isto!"

Dizem que eu sou uma guerreira, mas estou cansada. Se isto era uma lição, já aprendi! Se isto faz parte de uma macumba qualquer, quem a fez que se apresente para lhe dar os parabéns, pois conseguiu aqui um belo trabalhinho!

Matilde, ainda falta a unha encravada para a maldição acabar!

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

60 dias



Estes últimos tempos têm sido uma avalanche. Têm sido tempos difíceis de gerir. Seguro, casa, Pintainho, Radioterapia.... Ufa, tanta coisa!
Já estou na última semana de Radioterapia, faltam 4 dias. O cansaço tem sido grande e agora apareceram as dores de garganta.

Isto tem sido tão difícil de gerir que nem tenho escrito nada. Confesso que escrever sobre coisas sérias não tem piada nenhuma. Mas estou em dívida.

Bem, quando se diz que o tempo voa é verdade. 60 dias passaram desde o acidente e pouco ou nada se alterou.
A casa continua partida, o seguro ainda não abriu os cordões à bolsa e nós continuamos separados do Super-Homem.

Depois da minha reclamação fui à Mapfre pedir esclarecimentos e fiquei a saber que o "Gonçalino" tinha sido afastado do processo. A semana passada fui convocada para uma reunião com duas coordenadoras, onde nos foi apresentada uma... "propostazinha". Digo isto porque não cobre nem metade do que está danificado. Ao que parece o perito acha que os danos estéticos (riscos nos móveis por exemplo) não carecem de ser indemnizados. Estes peritos intrigam-me, pois têm o dom de adivinhar que as coisas funcionam. Ora como podem eles dizer que funciona se nem experimentaram?? É demais para a minha cabeça cheia de químicos e agora radioativos.

Percebemos que a Mapfre ficou baralhada. Mas afinal o que é aquilo que tem coisas de cozinha, de sala, de bebé?... ERA UM T2!!!!
Percebemos também que não somos livre de ter em casa o que entendemos. Ora se nós trabalhamos e até pagamos os nossos impostos, porque raio não podemos ter o que queremos?? Será que é por a morada dizer Serra da Luz?... Ok, o bairro não é lindo mas as manchas também caiem nas melhores toalhas.

O pior de tudo não é a casa estar partida, o pior é entrar ali e sentir que aquele deixou de ser o meu lar. As memórias estão lá bem longe, os cheiros desapareceram e as gargalhadas deixaram de estar gravadas naquelas paredes. Aquela já não é a minha casa.