segunda-feira, 31 de julho de 2017

One step back

O Pintainho tem uma pele sensível. Acho que já o tinha referido, tem tendência para feridas de abrasão. Para além de uma pele sensível, tem um pé que não gosta de colaborar, é mais preguiçoso. Enquanto um tem estado a corrigir a olhos vistos, o outro é preciso uma lupa. Não sede por nada.

O Pintainho estava há quase 3 semanas de pés ao léu, tivemos de lhe tirar as botas, pois o pé mau fez ferida que tantas vezes que ele descalçava a bota. A ferida sarou, e hoje foi dia de voltar à ortopedia.


Pendurámos as botas e cumprimentámos os gessos. Foi um murro no estômago!
Na minha cabeça estava um turbilhão. E agora que ele estava tão habituado ao banho? E agora que ele estava a gostar tanto de mexer nos pés? E agora que ele até gostava das massagens? E agora que ele já rebolava tão bem? E agora que ele gostava tanto de uns beijinhos repenicados nos pés? E agora? 
E agora voltamos um bocadinho a trás. Agora voltamos aos banhos "à gato". Agora arranjamos outras formas de estímulo. Agora damos beijinhos repenicados no resto do corpo. Agora relembramos tudo o que fazíamos nos primeiros 4 meses de Pintainho.

Pintainho filho de Super-Homem é destemido! Chorou, mas depressa sorriu. Depressa arranjou forma de brincar e rebolar. Depressa de habituou e só passaram 5 horas. Depressa nos brindou com a sua boa disposição como quem nos seca as lágrimas que nos escorriam. Depressa esquecemos os gessos e voltámos ao nosso estado de espírito.
Este Pintainho de 6,5 meses faz-nos mais fortes e obriga-nos a sorrir perante as adversidades.
Somos resilientes!

Desta vez não há prognósticos. Desta vez não vamos perguntar quanto tempo vai levar, ou quantos gessos vai trocar. Desta vez vamos deixando ir ao ritmo dele, porque ele é quem manda. Desta vez vai ser o tempo que ele precisar.
O comandante do nosso barco é o Pintainho.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Desapego

A minha nova função é Mestre de Obras. Não posso fazer nada por causa da operação, por isso limito-me a dar ordens.
Um carro veio contra a casa e ficou tudo partido. Não sobrou quase nada.
Agora é tempo de ver o que ficou de pé e eu, sentada numa cadeira que sobrou, limito-me a dizer o que vai ou fica e a puxar pelos neurónios adormecidos pelos medicamentos que me dão para as dores (bastante bons já agora), a tentar lembrar-me de tudo o que estava em cima dos móveis antes de ter saído de casa no dia 6 de julho.

Sempre me disseram para não deixar a casa desarrumada quando sair. "Sabemos quando saímos, não sabemos quando entramos". Confere!
Levei a semana toda a pensar nisto, e com muito afinco tratei de limpar e arrumar a casa toda. Ficou um brinco e às 6h da manhã ainda apanhei a roupa. Valeu-me de muito... Devia ser indemnizada pelo trabalhinho todo que tive!!

Eu sempre gostei de partir uns pratos quando me irritava, achava que era terapêutico, mas isto foi demais, foi uma terapia de choque! 

Com isto vi que tinha tralha que não me faz falta para nada, mas também vi que era apegada a uma ou outra coisita que se escangalhou e para o qual não há preço. Que preço se dá à parte sentimental que está associada a um ou outro objeto?
Existe neste processo um desapego gradual. Primeiro choramos, e muito, mas depois vamos enchendo saco após saco e vamos sentindo um alívio. Alivio em deixar de ver aquilo que tanto lutámos para ter e de repente ficou destruído.
Trabalhamos demasiado para ir enchendo a casa com coisas para ficar bonitinha, mas serão todas essas coisas necessárias?...

Nós tínhamos demasiada tralha, e as tralhas são pesadas. Não pelo peso em si, mas pelas memórias que guardam. São muitas e muitas. Agora restam as memórias porque a tralha estava escangalhada e foi para o lixo.

Limpamos as lágrimas, respiramos fundo, guardamos as lembranças no coração e começamos mais uma etapa. Afinal de contas, já estamos habituados a estes contratempos certo?!

Aprendemos sempre qualquer coisa em tudo o que nos acontece não é?... 

terça-feira, 11 de julho de 2017

Relativamente... Improvável!

Bem, dei ao blog o nome de "Relativamente Comum" por um motivo, a lista infindável de coisas que nos têm acontecido são de certa forma comuns ou mais prováveis. Até aqui "tudo bem", vocês já me conhecem, já sabem das minhas graças e desgraças e eu já me vou habituando à avalanche de carinho vindas da vossa parte. A minha vida já não é a mesma sem vocês!

E se eu vos disse-se que o improvável também me acontece?
Não estou a falar de atirar uma torrada ao ar e calcular a probabilidade de ela cair com a manteiga de amendoim virada para baixo, ou de atirar um moeda ao chão e calcular a probabilidade de me sair cara ou coroa, ou num baralho de cartas me sair a Dama de Copas e essas coisas todas que quem gosta de matemática adora.
Estou a falar mesmo do improvável!

Ora vejam: 
IGNOREM POR FAVOR A PARTE DO BEBÉ FERIDO!

Já vos estou a imaginar "mas o que é que aconteceu agora?..."
Parece que não chegava o provável, ainda havia espaço para o improvável.... Há quem diga que tenho de ter "matéria" para o blog, mas eu juro que tudo isto é verdade!

Na quinta feira, dia 6, dei entrada na Fundação Champalimaud para matar o Gervásio. Entrei acompanhada do Super-Homem e Pintainho. Cheia de coragem e inspirada pelos sorrisos e mimos matinais. A porta fechou-se e do outro lado ficaram os dois homens da minha vida, imponentes, confiantes e lado a lado como já vem sendo habitual. Fiquei com aquela imagem na cabeça e fechei os olhos para me meterem a dormir. 
Enquanto estava no bloco o Super-Homem ia entregar o Pintainho à minha mãe para poder estar no recobro comigo. 

A cirurgia acabou, as horas passaram e o Super-Homem não chegou. Esperei, esperei, até que, já no quarto, o Super-Homem chega acompanhado do meu irmão e cunhado. Senti um arrepio ao olhar para ele, fiquei petrificada. Contaram-me o sucedido, um carro sem travões embateu na nossa casa, projetando para o seu interior um pouco de tudo. Foi grades, betão, janelas.... A casa ficou destruída! 
Depois de me deixar na Fundação, o Super-Homem foi com o Pintainho para casa, para fazer tempo. Estavam os dois na sala/cozinha, quando se deu o empate. Foi um grande aparato, e o Super-Homem, Super que é e com os níveis de adrenalina ao máximo, reagiu da melhor forma. Foram os dois observados no hospital e estão bem. O Pintainho parecia ter estado dentro de uma bolha, não tinha um arranhão e não reagiu ao estrondo. Não fossem os exames auditivos terem estado ok, estaria agora a pensar de ouvia bem. O Super-Homem está amachucado, fez sangue, arranhões e hematomas, mas perante o estado geral e estando ele sentado à mesa, acho que estivemos perante um milagre. 

Ora vejam como ficou a minha casa:


Entrar nesta casa é de perder a respiração. É ver a morte dos dois seres mais importantes. É fazer o filme completo na minha cabeça e imaginar o que teria acontecido se fosse eu a estar em casa. De certo que o desfecho teria sido outro. O meu sogro diz-me, "Eu quando entrei vi-te morta. Se estivesses em casa tudo tinha acabado. Ali onde estão as pedras era onde tu estavas a maior parte do tempo..." 
Temos um Anjo da Guarda atarefado mas que tem conseguido cumprir os serviços mínimos: manter-nos vivos. Como diz a minha avó: "O que tem de ser tem muita força!".

De certo que quem me invadiu a casa para filmar e tirar fotografias e até quem escreveu as manchetes dos jornais e notas de rodapé das notícias de última hora, nunca passou por situação similar. Um bebé que sai de casa acompanhado pelos bombeiros só para ser observado porque aparentemente não tem nada, dizer-se que está ferido ou em estado grave, é entre outras coisas, inconsciente! SHAME ON YOU!!!

Dia 6 de julho de 2017 é o primeiro dia das nossas vidas. O Gervásio morreu e felizmente foi o único. Os astros estiveram alinhados e estamos bem. O que seria a nossa vida sem um dói-dói?!

Lápide


quarta-feira, 5 de julho de 2017

Véspera

Menos de 24horas. É o que falta para me deitar na marquesa que vai mudar a minha vida.
Amanhã às 8h da manhã entro no bloco com o Gerásio ao peito e não sei como vou sair. É certo que no lugar do Gervásio vem uma bolinha de silicone, mas e o resto?...
Há cerca de dois meses que me disseram que nunca mais iria poder fazer força com o braço, devido ao esvaziamento axilar. Entre outras coisas pode criar um Linfedema que é muito difícil de regredir.

Posto isto, o primeiro pensamento que me apareceu foi como é que vou pegar no Pintainho?? Sim, sem poder fazer força e com um Pintainho que já está com 7415g e que ainda não se senta sozinho, como é que vou pegar nele?... Eu não quero ter um braço gigante!!
Como diz o Super-Homem, isso agora não interessa nada! Depois logo se vê.

Bem, amanhã é o dia de mudar de vida. Sei como entro mas não sei como saio, mas de certo que vai ser tudo diferente e que vou ter de aprender a "andar" com estas novas limitações. Quase que me sinto um camaleão, com tanta adaptação.
Não tenho pensado muito nisto, a sério que não. Tenho estado aqui na minha vidinha de palhaçadas e rebolanços no tapete que o Pintainho tanto gosta. Mas esta semana decidi não ligar às regras!
Esta semana os banhos e as massagens foram mais demorados, as conversas mais longas e houve muito colo. Se o Pintainho pedia colo, eu dava. Se o Pintainho não pedia colo, eu dava na mesma e ele depressa se rendia. O Pintainho esta semana até dormia ao meu colo. Foi colo até não sentir os braços! Esta semana estivemos assim, como quem pára no tempo.

As vésperas estão carregadinhas de ansiedade e tolices, e esta véspera não é diferente das outras. O frio na barriga já se sente e só não estou a roer as unhas porque tenho um casamento daqui a 10 dias. A mala está feita, o congelador com as sopas do Pintainho e a roupa arrumada. Acho que estou pronta.

Amanhã eu vou estar numa marquesa na Champalimaud, mas não vou estar só. No Brasil estará uma mulher de garra a fazer a mesma cirurgia. Nunca nos vimos, nunca nos conhecemos pessoalmente, mas nutro por ela uma grande admiração.
Tão longe mas tão perto, há pessoas que aparecem na nossa vida e que fazem toda a diferença. Desde que tenho o blog que tenho conhecido pessoas extraordinárias e ela é uma delas. A mana do Club do Ruca!
Vamos estar de mãos dadas a torcer uma pela outra.





#PDA