quinta-feira, 19 de outubro de 2017

#atoressecundarios - A Psicóloga

É mais que uma atriz secundária, é uma almofada, uma lufada de ar fresco quando o ar está a faltar. Matilde, Psicóloga Clínica e mãe de duas Princesas. Era simples se a definição da Matilde ficasse por aqui, mas ela é isto e muito mais.

Partilha comigo alegrias e tristezas, duvidas e preocupações. Andámos lado a lado, as duas de ventre cheio. Amparou-me os medos e preocupações muito além destes 9 meses. Teve e tem um papel fundamental no meu dia-a-dia. Nunca chorou à minha frente, mas sofreu tanto ou mais do que eu.



Esta é a Matilde:

> Quem é a Matilde?
Pergunta difícil, mas de resposta simples. A Matilde é uma comum-mortal que tenta levar uma vida normal, igual à de tantas mulheres que tentam conciliar todos os desafios que lhes surgem. 

> És Psicóloga e mãe de duas Princesas. Sentes que os desafios da maternidade põem à prova a profissional que há em ti?
Todos os dias, e todos os dias a profissional que há em mim falha! Não me preocupa nada, mesmo antes de ter filhos, assumi sempre que quando fosse mãe, seria apenas mãe. É claro que há angustias de quem lida de perto com perturbações do desenvolvimento, estamos sempre em alerta para o mínimo indicio de problema. 

> A escola preparou-te para lidar de perto com um cancro?
A escola não, a vida talvez. Infelizmente é muito comum na minha família paterna, somos uma família grande e onde há muitos casos de cancro, aliás, costumo dizer que é o que tenho de mais certo, é vir a desenvolver um cancro. Tento não pensar muito nisto, mas é um facto. Mas é difícil lidar com o teu Gervásio, porque apareceu de forma totalmente inesperada: na pessoa errada, no momento errado. Numa fase das nossas vidas em que ambas estávamos a "gerar" vidas.

> Como é ser Psicóloga e amiga de alguém que é portador de um cancro?
Bem... sou só amiga, não consigo ser psicóloga, sinto-me emocionalmente muito próxima para conseguir ser a psicóloga. O choque da noticia foi brutal, nem imaginas o quanto, nem imaginas o medo que senti, um medo tremendo de te perder. Para mim, o lema da nossa amizade passou a ser, vou fazer tudo para que se sinta o melhor possível em todos os dias do resto da sua vida! Tento ouvir-te o mais atentamente possível e tento respeitar quando sinto que não queres falar sobre o assunto (às vezes é difícil não fazer perguntas, sorry!). Previ tratamentos duros, uma depressão grande e uma maternidade comprometida. Mas tu, sempre a surpreender... levaste os tratamentos com uma serenidade incrível, emocionalmente provaste que és "à prova de bala" e és uma mãe espectacular.  

> Foste das primeiras pessoas que me viu careca. Como foi para ti esta mudança?
Não me chocou nada de nada! Achei que estavas muito gira. Sei que é uma coisa que te marcou muito, como a todas as pessoas que passam pela quimio, mas acho que o impacto que essa mudança tem nos outros é muito menor do que imaginas. Falámos tanto de cabeleiras, lenços, que acho que banalizei completamente o facto de estares careca. Mas já a forma repentina e autónoma (sim, porque fizeste isso sozinha!!!) como rapaste o cabelo, isso sim marcou-me. Nunca vou esquecer a mensagem no whatsapp às tantas da manhã a dizeres que tinhas rapado o cabelo.

> És minha amiga e colega, acompanhaste de perto todo este processo. O que dirias a alguém que se encontra na mesma posição que tu?
Acho que a esta, devias responder tu, não? Bem, nunca fizemos tabu deste assunto, falamos sempre fria e cruamente do Gervásio, acho que isso foi importante. Talvez o ouvir atentamente e respeitar quando a pessoa doente não quer falar sobre o tema, porque imagino que toda a gente faça as mesmas perguntas, milhões de vezes. Também é importante guardarmos as nossas angustias connosco, ou melhor, partilhar as nossas angustias sobre o tema com outras pessoas, e não sobrecarregar a amiga doente. E acima de tudo, continuar a viver, fazermos as coisas como fizemos até ao dia em que o cancro é anunciado. Enfim, acho que é um jogo de equilíbrios difícil e que obviamente não consegui sempre, afinal sou só uma comum-mortal.  


Sem comentários:

Enviar um comentário