sexta-feira, 30 de junho de 2017

Tempo


(...) Não sei se andei depressa demais
Mas sei, que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo
Para olhar para ti
De agora em diante, não serei distante
Eu vou estar aqui (...)


Nunca tempos tempo suficiente. Pedimos que o dia tenha mais de 24h porque só 24h não chegam. Não temos tempo para atender o telefone, para dar beijos e abraços, estamos demasiado ocupados naquele momento para parar e achamos que temos tempo depois.
Se por um lado achamos que não temos tempo, por outro achamos que é depois que o vamos ter. Depois temos tempo para retomar a chamada ou passar em casa da avó para lhe dar um beijo. Quando damos por nós esse tempo já passou. As horas passam sem que se dê conta.

E se quando agarrarmos no telefone a pessoa já não estiver do outro lado para atender? Prometemos a nós próprios que não se volta a repetir não é?... Mas repete-se, vezes e vezes sem conta... Vivemos com remorsos de não ter parado, e achamos que somos egoístas. Vivemos com a sensação de que o tempo passa depressa demais.

Pergunto-me muitas vezes se vou cá estar o tempo suficiente para dizer e fazer tudo o que quero. Se vou cá estar para ver o Pintainho crescer. O que é certo é que ninguém sabe. Nunca sabemos se vamos cá estar o tempo suficiente.

Eu tenho sempre muito para dizer, tenho sempre muitas ideias, sou uma idiota! Pergunto-me se me devo despedir. Se eu não morrer agora algum dia vou morrer. Devo escrever uma carta? Devo agarrar no telefone e disparar telefonemas? A sério que penso nisto! Penso nisto porque acho sempre que há mais qualquer coisa para dizer. 

No dia em que me disseram que se confirmava que eu tinha um Carcinoma, a vida passou-me toda em frente aos olhos. Dizem que quando se vê a morte de perto isto acontece, e acontece mesmo.

O tempo passa rápido, não pára, mesmo que se tire as pilhas ao relógio. Estamos mesmo a gastar o nosso tempo com o que realmente interessa?
Se o amanhã não existir, o que é que ficou por fazer? Se amanhã for o meu último dia, como é que eu quero gastar aquelas horas? Se eu amanhã, ou para a semana, ou daqui a um mês morrer, que memórias criei no Pintainho?

Mas afinal, o que é ter tempo suficiente? Haverá algum dia em que achamos que está tudo feito ou dito?

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Segurança Social


Bem, tive de respirar fundo e ir apanhar ar entes de começar a escrever isto, para não escrever a quente o que me vai na alma.
Já pensei em redigir uma carta ao Sr. Costinha mas acho que deve ter mais do que fazer do que aturar as dificuldades de uma mera cidadã (que até trabalha e declara tudo o que recebe) em relação a um organismo público.

Estive de baixa de dia 3-10-2016 a dia 14-01-2017. Foi emitida uma baixa eletrónica pelo médico de família e vim a receber o pagamento no dia 22-11-2016. Não demorou muito e depois disto os pagamento decorreram normalmente.
O Pintainho nasceu a 14-01-2017 e a minha licença deu entrada no dia 30-01-2017. No dia 22-03-2017 recebo o primeiro pagamento e que durou até 14-05-2017 apesar de eu só ter tido alta três dias depois do parto, mas a segurança social não quis saber disso para nada.

Sou doente oncológica desde o dia 21-01-2017, mas decidi gozar a Licença de Maternidade e só colocar baixa médica após o término da Licença.
A 14-05-2017, deu entrada a baixa por doença (cuja saga já referi em dois posts anteriores). Ora, a médica que amávelmente me emitiu a baixa por doença enganou-se e emitiu com efeitos a partir de dia 11-01-207, sobrepondo assim a baixa à Licença de Maternidade. Seria de esperar, que mesmo com este "engano", a Segurança Social efetuasse a suspensão da Licença de Maternidade e desse início à baixa certo? Mas não! A SEGURANÇA SOCIAL INDEFERIU A BAIXA E NÃO EFETUOU NENHUMA COMUNICAÇÃO! Sim, leram bem, indeferiram a baixa sem me comunicarem o motivo. Passado uns dias, de forma a retificar o "erro", entreguei em mãos uma baixa manual com a data correta e em sistema procederam à anulação da anterior. Seria de esperar (ou pelo menos eu esperava) que um processo que se encontra anulado ou indeferido em sistema, também se encontrasse encerrado, mas não. A baixa que foi indeferida e ainda lá está, e a que foi entregue manualmente, ninguém sabe dela!

No dia 24-06-2017, dia de renovação da baixa, sou informada pelo hospital que só podem emitir uma baixa inicial de 12 dias, pois as anteriores, as que foram emitidas manualmente, não estão em sistema. Mais de um mês e o sistema ainda não atualizou... Brilhante! Mais de um mês e eu continuo sem receber... Maravilhoso!
Para quem não sabe as baixas iniciais são pagas a 55%, quando eu já deveria estar a receber a 70%. Uma pequena diferença portanto!

Desengane-se quem pensa que a saga fica por aqui.
No dia 26-05-2017, entreguei pessoalmente numa repartição deste organismo público o requerimento para o pagamento das Sessões Compensatórias. Hoje, 28-06-2017, após verificar a inexistência do mesmo na minha área da Segurança Social Direta, resolvi enviar um pedido de esclarecimentos. A resposta que obtive é que não existe qualquer pedido em sistema... Terei de me deslocar mais uma vez à minha entidade patronal e pedir que me assinem novo impresso. Entretanto, continuo sem receber.

Parece-me que vou ter de fazer como aquele casal que só come três refeições por semana, que o resto dos dias se alimenta "das energias da natureza"...

Numa breve pesquisa na página da Segurança Social pode ler-se o seguinte:

Objetivos e princípios



Atualizado em: 14-03-2012 

Esta informação destina-se a

Todos os cidadãos.

O que é

A Segurança Social é um sistema que pretende assegurar direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como, promover o bem-estar e a coesão social para todos os cidadãos portugueses ou estrangeiros que exerçam atividade profissional ou residam no território.

A lei de bases gerais do sistema de Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) define as bases gerais em que assenta o sistema, bem como as iniciativas particulares de fins análogos.

Objetivos

São objetivos prioritários do sistema de Segurança Social:
  • Garantir a concretização do direito à Segurança Social
  • Promover a melhoria sustentada das condições e dos níveis de proteção social e o reforço da respetiva equidade
  • Promover a eficácia do sistema e a eficiência da sua gestão.

Princípios

Os princípios gerais do sistema são:

Princípio da universalidade: consiste no acesso a todas as pessoas à proteção social assegurada pelo sistema, nos termos definidos por lei.

Princípio da igualdade: consiste na não discriminação dos beneficiários, designadamente em razão do sexo e da nacionalidade, sem prejuízo, quanto a esta, de condições de residência e de reciprocidade.

Princípio da solidariedade: consiste na responsabilidade colectiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento, nos termos definidos pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro.

Poderá consultar o documento na integra aqui.



Parece-me que isto já merecia uma atualização, até porque são objetivos que foram definidos em 2012, e não é correto definir-se objetivos que não sejam alcançáveis.

É de lamentar, que num estado de direito exista um organismo público que preste um serviço tão mau. É de lamentar, que um organismo que se diz social, garanta tão pouca segurança a quem contribui à tantos anos. É de lamentar, que não exista forma de falar com alguém sem ter de se ir para as filas às 6h da manhã ou ter de marcar com três meses de antecedência. É de lamentar, que num país onde o número de desempregados é grotesco, não exista ninguém para atender o telefone a não ser uma máquina que nos leva à área pessoal da segurança social e onde só consta metade da informação. É de lamentar, levarem-me uma fatia do meu vencimento, e quando eu preciso deste estado social nem implorando. É de lamentar!!!

A vocês, senhores governantes, tenho algumas perguntas:

1) Já utilizaram algum destes serviços?
2) A máquina administrativa está tão esquecida como a atualização destes objetivos que remontam a 2012?
3) Os senhores governantes já precisaram destes serviços ou recorrem exclusivamente a serviços privados?
4) Já alguma vez foram para a fila de uma repartição da segurança social às 6h da manhã para conseguirem garantir uma senha?
5) Os senhores governantes sabem o que é "rapar o fundo ao tacho" para poder pagar as contas e comprar bens de primeira necessidade para um recém nascido? Sabem?? Não me parece!
6) É assim, com esta prestação de serviços que fazem jus ao nome "Segurança Social"? Qual segurança?
7) Os senhores governantes sabem quanto é que custam as botas que o meu filho de 5 meses usa para a correção do Pé Boto (anomalia congénita) e cuja compra não é comparticipada pelo estado?
8) Sabem quanto custa uma caixa de leite artificial e quanto tempo dura?
9) Sabem que eu para ir para a fila da Segurança Social tenho de entrar em incumprimento, pois a baixa médica só permite que me ausente da minha habitação por dois períodos e nenhum deles inicia às 6h da manhã?
10) Hoje tive acesso a uma notícia que dizia que existem 21 mil processos de prestações em atraso. Estamos com poucas pessoas para analisar os processos?

Pergunto-me muito quando é que isto vai parar... Não me identifico com este estado que se diz social, mas que castra o direito à parentalidade e doença. É triste constatar que muito se fala e pouco se faz, tudo porque quem nos governa certamente nunca precisou de prestações sociais para sobreviver. Não me identifico nem percebo este estado social. 

Parece que estamos perante um cancro pior do que o meu, daqueles que nem a quimioterapia o salva!


#segurançasocial

terça-feira, 27 de junho de 2017

Decisões

"A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS E DECISÕES, ÀS QUAIS DEVEMOS SER FIÉIS E ASSUMIR TODAS AS RESPONSABILIDADES DECORRENTES." - Sebastião Wanderley



Dúvidas e mais dúvidas mas o dia de tomar decisões chegou. Decisões que só eu posso tomar. Bati a muitas portas, chateei muitos e ouvi todos. Li artigos e estudos, juntei prós e contras. Olhei para o Super-Homem e Pintainho e ouvi o meu coração.
Tomei uma decisão!

As margaridas querem-se aos pares e eu não quero só uma, quero duas! Tomei a decisão de fazer uma mastectomia com reconstrução imediata. Resumindo vão retirar o recheio da minha margarida e pôr uma bolinha de silicone. VOU TER UMA MARGARIDA NOVA!!!!

Estou tranquila com esta decisão, acho que é o melhor para nós. Eu, o Super-Homem e o Pintainho precisamos de fechar este capítulo. Precisamos de dar um passo em frente mesmo que seja um pequeno passo. Precisamos de respirar e sair daqui. Estar um tempinho sem doenças, consultas e corredores de hospital. Precisamos de saber o que é ser uma família sem estas coisas, porque a verdade é que nunca estivemos assim.

Não se pode ter o melhor de dois mundos, mas acho que desta vez até consegui qualquer coisa parecida com isso. Tenho a cirurgia que queria, com o aval da minha médica. Não é perfeito? Melhor só mesmo se o seguro me tivesse aprovado a operação bilateral, mas não aprovou e isso terá de ficar para segundas núpcias.

Ponham as bebidas no frio porque a hora está quase a chegar e o Gervásio vai morrer!

segunda-feira, 26 de junho de 2017

A porta número 3


A Mónica morreu em fevereiro. Esta é uma dura realidade! Foi embora com o seu Pintainho e não volta mais. Já não vai estar atrás da porta número 3.

Se em tempos o número 3 foi banal, desde fevereiro que ganhou outro significado. As portas número 3 albergavam uma pessoa muito especial, e agora guardam recordações. Pergunto muitas vezes como vai ser quando eu regressar, o que é que vou sentir para além da saudade. Como é que se começa depois de isto?...
Guardo em mim muita revolta, mas também guardo saudade e muitas recordações. Tenho saudades de tudo! Até de quando ralhava comigo. Ainda tenho a voz dela gravada na minha cabeça. Tenho muito presente a última conversa, o último telefonema que não consegui atender. Como me arrependo de não ter retomado a tempo...

Em quatro meses de luto tentei sempre lembrar-me das coisas boas, que não foram poucas e evitei as portas com o número 3. Passo e nem olho.
Hoje, talvez por ter estado onde estive, tenho pela primeira vez uma serenidade inexplicável. Continuo a não perceber o sentido da tua partida, a menos que tenha sido para te transformares no nosso anjo da guarda, mas consigo ter alguma paz. Deus precisava de reforços e chamou-te a ti para o ajudares! Quem melhor que tu para tão nobre tarefa?! É assim que quero pensar.

A porta número 3 já não te alberga, mas não está encerrada. Há que permitir que o número 3 seja o albergue de outros assim como já foi o teu. Se há morte também há vida e há que permitir que outros vivam e cresçam. Que os novos moradores se sintam em casa e não no papel de saqueadores.
Que a porta número 3 seja vida, alegria e muitos sorrisos. Tal como nos brindaste sempre.



PS - Viste que hoje fomos retribuir as tuas velas? Um beijo no coração!

quinta-feira, 22 de junho de 2017

A nossa hora


Portugal está de luto!
Desde sábado andamos de coração nas mãos, não creio que pelo fogo em si, mas pelas dimensões que atingiu e pelas vidas de levou consigo. Famílias que foram só passar um fim de semana e nunca mais voltaram, moradores isolados, velhinhos a serem evacuados em que nas mãos só cabiam os medicamentos, pessoas que perderam tudo o que conquistaram durante uma vida, paisagens outrora verdes e agora pretas. Entrar no carro e não olhar para trás...

O ano passado estava com o Super-Homem e alguns familiares na Serra da Freita, tinha na altura o Pintainho na barriga. As paisagens eram de cortar a respiração. Poucas horas depois de lá ter estado o parque de campismo é evacuado e a serra ardeu quase por completo.
Uns dias depois, já em Santa Eulália, Seia, deflagraram vários incêndios. Nós de olhos postos no site dos incêndios, quando o fogo se aproxima e os aviões começam a ficar mais próximos e a passarem bem por cima de nós. Os sinos da igreja tocaram em tom de alarme, arrumámos as coisas essenciais e ficámos alerta.
Não era a nossa hora!

Infelizmente, no sábado foi a hora de muitos. Homens, mulheres e crianças. Deus não os poupou. Já não estão cá, já não voltam para casa. Quero acreditar que as casa e colos vazios devem-se a algo maior, porque aqui, onde estamos e onde vivemos não faz sentido. Não encontro sentido para tamanho sofrimento.
Desde sábado que assistimos impotentes a esta ceifa, à luta de quem combate os fogos, mas continuamos a viver, embora de olhos cheios de água e com um nó na garganta. Somos tão impotentes não somos? Seja por doença, catástrofes ou causas naturais, não adianta contornar ou fugir, não podemos controlar. Quando chega a nossa hora não há nada a fazer, ele decide por nós. O Deus que nos consola a alma e em quem confiamos os nossos pedidos ou agradecimentos, também é aquele que nos leva para junto dele.

Permitam-se sofrer e fazer o luto, mas também permitam-se viver, seguir em frente. Agarrem nos Pintainhos, Super-Homens e Super-Mulheres e não se poupem em mimos, colos, beijos longos e abraços apertados. Permitam-se sair e viajar. Permitam-se viver sem culpa. Não há nada que possa fazer. Não tenham medo, a vida é boa e permitam-se viver porque a vossa hora ainda não chegou! 




Fotografia: Notícias ao Minuto

sábado, 10 de junho de 2017

Pesos


Terminada uma etapa, damos início a outra. Se a primeira etapa parecia complicada, a segunda então não tenho forma de a descrever. É que chego à conclusão, que a primeira etapa que se dá pelo nome de quimio, até foi fácil. Sabem porquê? Porque na primeira não há hipótese de escolha! O tratamento que nos apresentam é aquele que fazemos. E ponto final! O mesmo não acontece com a segunda etapa, que se chama cirurgia.
Bom, esta segunda etapa tem dado pano para mangas, mil telefonemas e mensagens, posts nos grupos de carecas e consultas médicas. Tudo isto para ter a certeza que aquilo que me querem fazer é mesmo o melhor. Mas o que é certo é que não chego a conclusão nenhuma. Isto de se tomar decisões tem muito que se lhe diga...
Se a quimio é aplicada tendo por base estudos etc., a cirurgia é aconselhada tendo por base as mãozinhas do cirurgião que nos acompanha (com alguns estudos como é óbvio).

No hospital onde sou seguida foram perentórios: Mastectomia!
Posto isto, fui ouvir uma segunda opinião. Fiz exames e mais exames e mais uns exames, para que não faltasse nada. Resposta: Cirurgia de conservação!
Está instalada a confusão!!!

Se num dos pratos da balança está a confiança depositada na equipa que me segue até então, no outro está a experiência de alguém numa cirurgia alternativa, mais recente e menos mutiladora.

Ora vejam como os planos são diferentes:


Perante tamanha discordância, falei com um oncologista que nunca me viu nem mais gorda nem mais magra, que por sua vez falou com um diretor de oncologia de um hospital público. Também ele nunca me viu nem mais gorda nem mais magra. Ambos foram perentórios: Mastectomia!

Estarei eu a ser lunática ou em negação?... Não acredito que me tenham vendido da banha da cobra.
Qual o prato da balança que tem mais peso?...

Vá, não me venham dizer que a mama não é importante porque é. Todas nós gostamos de ter margaridas. E quando digo margaridas, digo no plural porque elas querem-se aos pares e não uma margarida solitária ali pendurada. Eu pelo menos não quero. Se o Gervásio que é o Gervásio tem dois cornos, porque é que eu quereria só uma margarida?! Não quero!
Tenho de admitir que a minha obsessão por coisas simétricas e aos pares está bem pior neste momento. Acho que é agora que a minha psicóloga me manda internar...

Como diz a minha oncologista "As respostas que irá obter, vão depender sempre da escola de cada um".
Posto isto, e como já devem ter percebido, não me consigo decidir, mesmo sabendo que o prato para me tornar um unicórnio está a ficar mais pesado. Resta-me para já continuar a inspirar e expirar e ir tomar um Xanax.

The first step completed

Na quinta feira foi a minha última sessão de quimio.
Foi uma sessão igual a todas as outras, mas com o sabor de ser a última. Estive sempre a dormir, como em todas as outras. É bom concluir etapas e por isso foi bom ter conseguido completar esta. Sim, consegui ultrapassar os efeitos secundários, consegui ultrapassar o cabelo e as unhas que cairam, o mau humor, os afrontamentos, a dormência nos dedos e o Super-Homem conseguiu ultrapassar o facto de ter dormido com o Noddy. Ele jura que não está traumatizado.
Na quinta foi dia de distribuir bolos, abraços apertados e beijinhos repenicados. 



Com isto fecha-se uma porta, mas tenho mais abertas, ainda se sente uma corrente de ar grande e nada está garantido.
No geral, o balanço é positivo. Estou viva, o Gervásio que era grande e vigoroso (perto de 10cm) e que até já tinha uma reprodução independente na minha axila, está a perder o vigor, mingou! Agora só tem 4cm! Foi bom perceber que os químicos não me queimaram só a mim.
Confesso que ao longo destes 5 meses já estava habituada, agora tenho o desconhecido à porta e não sei bem como o vou encarar. Há algo de reconfortante no hábito certo?

Parte de mim queria continuar na rotina para não ter de encarar o novo. Mas a vida segue em frente e se consegui chegar até aqui, também vou conseguir encarar o touro pelos cornos.

É hora de celebrar, com moderação, mas celebrar. Vou celebrar os 5 meses de Pintainho e o 5 meses de químicos pesados. Vou brindar a mim, à família, aos amigos, aos bebés que chegaram e aos que estão a chegar. Vou brindar a vocês que me lêem e acompanham nesta jornada.
Acho que podemos dizer (baixinho para não o acordar): O Gervásio está a morrer...

terça-feira, 6 de junho de 2017

Humanidade


Quatro meses e meio. É esse o tempo em que estou em tratamento. Está quase a terminar a primeira fase.
Nestes quatro meses e meio tenho tido de tudo. Passei a tratar por tu os corredores do hospital e quem lá trabalha, as pessoas na sala de espera já não são assim tão desconhecidas, as dinâmicas já me são familiares, os tratamentos já fazem parte da rotina e a busca por melhores respostas também. Nestes quatro meses e meio a vida tornou-se mais simples e descomplicada e fui surpreendida por conhecidos e desconhecidos.

No outro dia fui beber café com o Super-Homem e Pintainho. Confesso que não estava nos meus melhores dias mas como estava muito bom tempo lá fomos apanhar ar, sair da rotina um bocadinho.
Estávamos sentados na esplanada, eu com o Pintainho ao colo, quando um senhor que devia ter as suas sessenta e poucas primaveras vem ter comigo e me diz de imediato para sorrir sempre, para não ficar triste. "Ri minha querida, não fiques triste, tudo passa e isso vai passar" - disse-me ele. Em breves segundos contou-me a sua história. Ele, um sobrevivente de cancro, submetido a quimioterapia e sessões infindáveis de radioterapia, com uma cirurgia extensa de 18horas, era um sobrevivente. 

Na esplanada do hospital chorei muito. Estava o Pintainho internado e depois de tantos dias o cansaço era maior que eu, por isso chorei. Deitei cá para fora e a verdade é que me fez muito bem. Depois de chorar e de algumas palavras de conforto por parte do Super-Homem, fiquei bem melhor. Nesta mesma esplanada estava uma senhora atenta a tudo o que se passava, embora eu não tivesse reparado em ninguém. Passado alguns minutos, a senhora vem ter comigo e entrega-me uma flor. Não foi uma flor de compra, foi daqueles mal-me-quer que se apanha na rua sabem? Teve ainda mais importância confesso. A senhora levantou-se e foi-me apanhar uma flor. Também ela me disse para rir, "sorri minha querida, enquanto existir sol sorri".

Se seriam necessários exemplos em como a humanidade não está de todo perdida, aqui estão dois. Isto é a prova de que há esperança nas pessoas e que ainda há quem perca um bocadinho do seu tempo a olhar à volta. Eu própria aprendi a olhar à volta, em tempos também agi como se o meu umbigo fosse do tamanho de uma melancia, mas não é!

Diariamente somos bombardeados com notícias de massacres, valores do défice, vizinhos que se matam por 5cm de terreno, atropelamentos e mortes precoces. Diariamente vivemos no trânsito, chegamos atrasados, vivemos com horários apertados. Desesperamos porque o móvel tem pó, as crias precisam de tomar banho, há roupa para tratar, contas para pagar e uma vida profissional a manter. 
Não conhecemos a vizinha do lado nem tão pouco o carteiro ou a senhora do café da esquina.

Dar a mão à vizinha que está claramente atrasada e que os três filhos não estão a colaborar, provavelmente não nos atrapalha o dia e para aquela mãe será o suficiente para ter uma manhã menos caótica. Cumprimentar o carteiro ou a senhora da padaria também não nos atrapalha o dia.
Parem, respirem, olhem em volta, mas o mais importante de tudo, não se esqueçam de viver e desvalorizem o que não tem importância. A humanidade não está perdida.



Maquilhagem Katia Nunes
Fotografia Nuno Fernandes