terça-feira, 6 de junho de 2017

Humanidade


Quatro meses e meio. É esse o tempo em que estou em tratamento. Está quase a terminar a primeira fase.
Nestes quatro meses e meio tenho tido de tudo. Passei a tratar por tu os corredores do hospital e quem lá trabalha, as pessoas na sala de espera já não são assim tão desconhecidas, as dinâmicas já me são familiares, os tratamentos já fazem parte da rotina e a busca por melhores respostas também. Nestes quatro meses e meio a vida tornou-se mais simples e descomplicada e fui surpreendida por conhecidos e desconhecidos.

No outro dia fui beber café com o Super-Homem e Pintainho. Confesso que não estava nos meus melhores dias mas como estava muito bom tempo lá fomos apanhar ar, sair da rotina um bocadinho.
Estávamos sentados na esplanada, eu com o Pintainho ao colo, quando um senhor que devia ter as suas sessenta e poucas primaveras vem ter comigo e me diz de imediato para sorrir sempre, para não ficar triste. "Ri minha querida, não fiques triste, tudo passa e isso vai passar" - disse-me ele. Em breves segundos contou-me a sua história. Ele, um sobrevivente de cancro, submetido a quimioterapia e sessões infindáveis de radioterapia, com uma cirurgia extensa de 18horas, era um sobrevivente. 

Na esplanada do hospital chorei muito. Estava o Pintainho internado e depois de tantos dias o cansaço era maior que eu, por isso chorei. Deitei cá para fora e a verdade é que me fez muito bem. Depois de chorar e de algumas palavras de conforto por parte do Super-Homem, fiquei bem melhor. Nesta mesma esplanada estava uma senhora atenta a tudo o que se passava, embora eu não tivesse reparado em ninguém. Passado alguns minutos, a senhora vem ter comigo e entrega-me uma flor. Não foi uma flor de compra, foi daqueles mal-me-quer que se apanha na rua sabem? Teve ainda mais importância confesso. A senhora levantou-se e foi-me apanhar uma flor. Também ela me disse para rir, "sorri minha querida, enquanto existir sol sorri".

Se seriam necessários exemplos em como a humanidade não está de todo perdida, aqui estão dois. Isto é a prova de que há esperança nas pessoas e que ainda há quem perca um bocadinho do seu tempo a olhar à volta. Eu própria aprendi a olhar à volta, em tempos também agi como se o meu umbigo fosse do tamanho de uma melancia, mas não é!

Diariamente somos bombardeados com notícias de massacres, valores do défice, vizinhos que se matam por 5cm de terreno, atropelamentos e mortes precoces. Diariamente vivemos no trânsito, chegamos atrasados, vivemos com horários apertados. Desesperamos porque o móvel tem pó, as crias precisam de tomar banho, há roupa para tratar, contas para pagar e uma vida profissional a manter. 
Não conhecemos a vizinha do lado nem tão pouco o carteiro ou a senhora do café da esquina.

Dar a mão à vizinha que está claramente atrasada e que os três filhos não estão a colaborar, provavelmente não nos atrapalha o dia e para aquela mãe será o suficiente para ter uma manhã menos caótica. Cumprimentar o carteiro ou a senhora da padaria também não nos atrapalha o dia.
Parem, respirem, olhem em volta, mas o mais importante de tudo, não se esqueçam de viver e desvalorizem o que não tem importância. A humanidade não está perdida.



Maquilhagem Katia Nunes
Fotografia Nuno Fernandes

6 comentários:

  1. Sorri, Paula. Sorri muito e tenho a certeza que iluminas.
    E também eu todos os dias te envio um sorriso. Acredita.
    Em breve, vou dar-te um beijinho. Ah vou!
    Ruca 😜

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  2. Muita força, minha querida. E continua a sorrir! Bjs

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  3. E por acaso, ou não , o seu sorriso é lindo !
    Espalhá-lo por aí é urgente !

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