domingo, 17 de dezembro de 2017

Esbardalhei-me!

Pois é, há anos que isto não me acontecia, esbardalhei-me ao comprido no corredor do hospital dia! Mas quando digo ao comprido, foi literalmente ao comprido e até o braço que não estica se esticou. Fiquei escarrapachada no chão!

Ia eu muito “contente” quando de repente piso o cachecol que estava no carrinho do Pintainho e pumba! Toda eu no chão e o carrinho todo-o-terreno do rapaz virado. Foi todo um aparato em meu redor e as pessoas ficaram assustadas. Mas eu até estava bem, só precisava que endireitassem o carro do rapaz! 


Agora olhando bem para a coisa, o Pintainho estava firme no seu carro (que agora tenho a certeza que foi das melhores compras que fiz), de olhos abertos e a rir. Provavelmente da figura da sua progenitora esparramada no chão.

Naquela altura eu estava bem do físico, já o psicológico ficou bastante afetado... e se eu estivesse sozinha?! E se o Super-Homem não estivesse lá?! E se isto volta a acontecer?! E se?! E se?! Bom, aqui vem toda uma avalanche de probabilidades e leis da física. Se o saco que está pendurado no carrinho estivesse mais acima o peso seria outro, logo a probabilidade de isto acontecer seria... se eu me tivesse atirado logo para o chão em vez de me agarrar ao carrinho... mas que mãe é que a cair se agarra a um carrinho de sabe que ele vai virar?! Chego à conclusão (agora, passados 5 dias e depois de chorar baba e ranho) que TODAS se agarravam ao carrinho! Mas coração de mãe entra em negação até que se esbardalhem ao comprido.

Naquele dia o corpo estava bem e o psicológico profundamente afetado, hoje o psicológico está bem mas o corpinho percebeu o quanto duro é o chão daquele hospital. Estou bem, mas um bocadinho muito dorida.

“Aquele dia” foi o dia 14-12, dia em que o Pintainho comemorou os seus 11 meses. Quero acreditar e ele acha que eu sou uma mãe super radical e que para comemorar esta data o levou a andar de montanha russa! 
Vou tentar ser criativa em janeiro e fazer qualquer coisa que não implique nódoas negras.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

#atoressecundaros - A Super-Mulher!

Chego à conclusão qu fazer perguntas é dificíl!

Há histórias de vida surpreendentes e esta é uma delas.  Corta-nos a respiração!
A Carla, que felizmente se cruzou na minha vida é uma verdadeira Super-Mulher! Tem a capacidade de encarar a adversidade (e já teve muitas) com um sorriso na cara e ainda perder um bocadinho para nos brindar com um abraço. A Carla dá dos melhores abraços demorados que alguma vez recebi.
Para além de mãe, mulher e terapeuta, é autora do Blog “Prematuro… Até quando?” Ora vejam se eu não tenho razão!
Foi na história de vida desta Super-Mulher que tirei muito do que sei hoje. Foi ali que fui buscar inspiração para conseguir estar sã estes últimos 10 meses da minha vida, pois ela e a sua família são um verdadeiro exemplo de força, determinação e fé. Sim porque a Carla também tem um Super-Homem, que luta de mãos dadas, lado a lado e sem hesitar!
Se existisse uma expressão nossa, seria com toda a certeza “já chega!”



Esta é a Carla:

> Quem é a Carla?
Esta pergunta deveria ser respondida pelas pessoas que fazem parte do meu percurso. Talvez surgissem diferentes definições. Creio que há muitas Carlas dentro de mim. A forte, a frágil, a doce, a dura, a alegre, a triste, a sonhadora, a realista… Talvez um pouco de todas em cada dia, em cada contexto, em cada lugar…

> És Terapeuta, mulher e mãe de uma Princesa e de um Príncipe. A Inês nasceu prematura e o Pedro foi um grande prematuro. Trabalhas com intervenção precoce, és coordenadora do Núcleo das Perturbações do Espectro do Autismo e tens utentes que te procuram de todos os pontos do país. Sentes que, enquanto mãe, tens um desafio acrescido?
Creio que o meu desafio é, como o de todas nós, o equilíbrio. A procura diária do tempo para tudo, da competência em cada um dos papeis e o sabor amargo de em tantos dias sentir que algo ficou desequilibrado. Há momentos em que sinto que dei menos do que deveria ter dado,  como mãe, como profissional, como mulher, como amiga… 

> Os teus Príncipes tiveram complicações após o parto, mas o Pedro tem uma lista extensa de patologias e complicações, e teve um internamento longo, muito longo. De que forma as tuas competências, enquanto profissional, influenciaram a tua forma de reagir perante a adversidade?
Tanto na minha filha como no meu filho, as minhas competências profissionais tiveram sempre os dois lados da moeda. Por um lado, saber os termos técnicos e as possíveis consequências daquelas situações causaram-me um sofrimento enorme. Como me dizia outra mãe na neonatologia, a ignorância nestas situações pode ser uma bênção. Sofri bastante por antecipação, por imaginar as lesões que poderiam resultar de cada episódio. Por outro lado, as mesmas competências ajudaram-me a ter ferramentas para estimular os meus filhos e acreditar na plasticidade e na capacidade de ultrapassar os obstáculos. Eles têm sido os meus grandes professores. Ensinaram-me que tudo é verdadeiramente possível...

> É possível dividir a Carla mãe da Carla profissional?
Totalmente impossível. Trabalho diariamente com crianças e com os seus pais. Tento recebê-los e ajudá-los como gosto de ser recebida enquanto mãe. Já recebi más notícias em relação aos meus dois filhos de uma forma extremamente dolorosa e que me deixaram destroçada e sem rumo. Quando os pais me procuram é para receberem muitas vezes um diagnóstico difícil, mas faço o meu melhor para que que saiam do meu gabinete com esperança e com um rumo para seu filho.

> Sentes que a vida te pôs à prova?
Inúmeras vezes, já vivi alguns dos meus piores pesadelos… Ainda assim, encontramos sempre pessoas com provas maiores que as nossas. Olho para ti e fico em silêncio...

> Tinhas 17 anos quando a tua mãe partiu com um cancro no Pâncreas. Acompanhaste este meu processo. O que dirias a alguém que tenha passado ou esteja a passar pelo mesmo?
Que a vida é verdadeiramente frágil, ainda que por dentro de pessoas tão fortes. O cancro torna-se terrível porque traz  consigo muitas lutas, muitas derrotas, muitas esperanças, muito sofrimento... No entanto, também pode levar a um caminho de superação e de valorização da vida. Nenhum de nós sabe quanto tempo que tem pela frente… o cancro relembra-nos disso. E da importância de cada dia,de  cada momento, de cada pessoa. Devolve-nos muitas vezes o olhar para o essencial.

> Acreditas que as despedidas são apaziguadoras?
Acredito que deveríamos estar mais tempo com quem gostamos, dizer mais vezes o que queremos dizer, dar prioridade ao amor e às pessoas que são tão essenciais nas nossas vidas. Nunca saberemos que momento será o último com qualquer uma das pessoas que mais amamos...

> Um abraço cura?
Um abraço salva.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Inspiração



Confesso que já há muito que nos apetecia agarrar na mala e sair para qualquer lado, mas temos adiado e adiado e adiado. Na realidade, e como diz o Super-Homem, "Se não fossem as condicionantes clínicas, já tinha comprado três bilhetes de avião." Desta vez existiu alguém que tomou a iniciativa e nos deu um valente chute no glúteo e nos mandou para um retiro!

Bem, até aqui foi o caos! Confesso que fazer a mala de uma criança de 10 meses mala comida mais toda uma catrefada de coisas que pode ser necessária, mas que eu bem sei que não vai servir para nada, não é tarefa fácil. Parecemos uns refugiados com tanta coisa...
O plano para este fim de semana é: não é! Não temos plano para além de comer!

O local ideal para respirar fundo e ir buscar um bocadinho de inspiração, no meio do nada, com uma varanda com vista desafogada, um frio bom, os passarinhos a cantar.... Aqui a minha pessoa que até anda calada, agarra nos seus equipamentos que têm estado esquecidos e tenta por as coisas em dia. Tentei, mas pouco e não insisti muito com a inércia que se abateu sobre este corpo. Já repararam que ando preguiçosa não já?... 

Como eu costumo dizer, às vezes o melhor remédio é mesmo vir à rua, levar com o sol na tromba e  respirar fundo para se estar pronto para o que aí vem. Bem, confesso que partir uns pratos também tem um efeito terapêutico extraordinário, mas sai mais caro que o sol (vejam o que vos compensa mais).
Tenho um querido colega (Olá Dona Otília!!!), que costuma dizer que às vezes é preciso sair da ilha para a poder observar bem. 
Bom, eu agarrei nos equipamento e sai da ilha, mas apercebi-me que a inspiração não estava na varanda com vista desafogada, nem no som dos passarinhos, nem na máquina fotográfica ou iPad. A inspiração estava na ilha e veio em tons de gritinhos e reboletas na cama King Size daquele quarto de hotel. O Super-Homem e Pintainho estavam imparáveis, pareciam duas crianças! Dei por mim a observar, afinal de contas eles têm 5 meses de brincadeiras, abraços e mimos para pôr em dia e eu só queria dormir um bocadinho... (o que também não aconteceu que o Pintainho agora grita).

Às vezes é preciso mudar a perspetiva para nos aperceber-mos o que está à nossa volta, e a minha inspiração de facto esteve sempre comigo, mas ando tão assoberbada que nem me apercebi. Na realidade estes últimos 5 meses não têm sido fáceis. O Super-Homem ainda não está connosco e todos perdemos. As nossas rotinas deixaram de existir para não falar em tudo o resto. Passámos a ser namorados, daqueles à moda antiga que ele vem todas as noites a casa da minha progenitora. Espero que o casório esteja para breve!

Continuo a achar que o sol na tromba é terapêutico mas a minha máxima mantém-se: No final de contas o que importa é o amor!

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

10 meses


Todas as etapas do Pintainho têm sido saboreadas como únicas, mas confesso que este marco de 10 meses trouxeram alguma nostalgia. Olhar para a roupa de 42cm e ver como cresceu, recordar como ficava perfeitamente aconchegado no meu colo e agora ocupa bem mais que o meu peito e já dá abraços.

Acordar neste dia foi um recordar do que passou, e se passou rápido, e ver o quanto cresceu. Conseguimos mante-lo saudável, grande e forte!!

Na manhã de 14 de novembro, o Pintainho acordou e mostrou todo o seu reportório de piadas, gracinhas e conquistas. Foi de tal forma animado, que eu por momentos pensei que a cria me tinha sido trocada durante a noite. Bem, mostrou também o seu lado mais rebelde e, literalmente da noite para o dia, acho que arranjou um esquema para se começar a pirar do berço. Obrigada filho pela arritmia matinal.... supostamente o berço era seguro e tu não te punhas de pé.

Se em tempos não se ligavam às etapas de crescimento, agora ligamos e registamos. Todos os dias são conquistas, todos os dias há coisas novas. Ele aos poucos, chega lá, mesmo com as suas limitações arranja uma forma de fazer tudo o que os outros fazem. 

O Pintainho já vai falando, mas ganhou um hábito que não o sei definir. O Pintainho leva o dia a chamar pelo papá (eu como adoro até faço umas videochamadas para o papá ver), mas quando o ponho no carro ele não chama o papá, ele GRITA pelo seu papá. Vou no caminho com uma criaturinha a gritar PAPPPPPPÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!!!!!!! Literalmente isto... Sinto que o raptei e acho que se me mandam parar vão pensar o mesmo.

No meio deste turbilhão é bom ver que conseguimos alcançar todas estas etapas e que ele está bem. Os bebés querem-se felizes, e eu tenho a certeza que o nosso Pintainho é uma criança feliz.
O tempo não pára, por isso criem memórias, apertem, beijem, digam o quanto os amam, sigam o coração sem medos, porque vão acertar.

domingo, 19 de novembro de 2017

São Martinho

Joaquim Barata, Algarvio de gema, era um civil militarizado. Homem de família, honesto e de grandes valores. Vivia em Lisboa, mas assim que podia fugia para a terra e dedicava-se, entre outras coisas à pesca. Adorava passar tardes de cana em punho. Era teimoso que doía, mas um teimoso tão bom...

O meu avô morreu há 22 anos. Morreu de cancro, no dia de São Martinho.



É assim que gosto de o recordar, é esta a memória que tenho guardada, ele sentado no seu sofá enquanto eu e o meu irmão fazíamos de comando de televisão. As crianças de hoje não sabem o que é ser um comando de televisão pois não?..

Foi ele que me comprou a minha primeira bicicleta, foi com ele que aprendi a andar sem rodinhas, era ele que estava à minha espera quando a campainha da escola tocava, foi parte integral da minha vida até ter partido.
Assim que a escola terminava, lá se carregava o carro e rumávamos em direção ao sul, na sua carrinha verde. Como eram boas estas viagens. Bem, nem tudo é perfeito e eu e o João juntos no mesmo metro quadrado dava chapada certa, podem imaginar as viagens não é?!

O meu Avô chamava-me de "Corna", sim isso mesmo., e  eu adorava! Havia algo de carinhoso ali e eu que era uma fofinha derretia-lhe o coração como ninguém.

Os Avós querem-se na vida dos filhos, porque só aos Avós lhes é possível criar memórias destas.

Quando descobri que tinha um Pintainho no ventre, a escolha do nome foi fácil. O Pintainho chamaria-se Joaquim e teria o nome de um Homem Grande. Assim foi!
O Pintainho carrega com ele um nome de família, mas sem peso de coisas más, não foi essa a intenção. O Pintainho poderá contar, que tem o nome igual ao do Bisavô, que foi um Homem que  criou todas estas memórias  boas na mãe. Para mim os legados são estes, cheios de amor.

Dizem que São Martinho cheira a castanhas, mas para mim cheira a colo do Avô.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Encolhi o Super-Homem!!!


Quando os bebés nascem, nasce com eles uma planóplia de comentários e observações. Os bebés acabam de nascer e já são parecidos com o pai ou com a mãe. Aliás, cheguei a fazer uma eco 4D e ouvi de tudo, menos que ele era... ele próprio! Tinha o cabelo do pai... tinha o nariz da mãe... enfim, tudo o que possam imaginar. Para mim era só o bebé mais amoroso de sempre e tudo o resto era ruído.

Os bebés estão (normalmente) 9 meses demolhados nas entranhas da mãe. As primeiras 24/48 horas (para não dizer mais) ainda estão inchados, enrugados e muitas vezes com uma cor.... esquisita. Como é que são parecidos com alguém sem ser com eles próprios?! Eu acho que todos os recém-nascidos são amorosos, tenho uma perdição por bebés e se a minha vida fosse outra tinha muitos, mas nunca os acho parecidos com nada. Mas pode ser um problema meu.

Dizem (lá está), que o Pintainho quando nasceu era parecido comigo, pequenino e com muito cabelo, até tinha patilhas! Mas o tempo foi passando e quem já viu o Pintainho ao vivo e a cores sabe que a única coisa que puxou à mãe, foi na simpatia (modéstia à parte). Bem podem dizer que é parecido comigo (agradeço a tentativa e simpatia) porque não é! É a cara (para não falar no resto) do Super-Homem!

Sabem o que acontece às camisolas de lã quando são colocadas na máquina a 90 graus? Pois bem, o Pintainho é tão mas tão parecido com o pai, que cada vez que olho para ele, tenho a sensação que pus o Super-Homem na máquina de lavar a alta temperatura e que ele encolheu! 

Vá Super-Homem, estou a admitir publicamente que o Pintainho é um "mini you".

#atoressecundarios - A Madrinha

Mafalda com voz de anjo, Psicóloga Clínica e mãe da doce M. Trabalha com perdas e lutos, colos cheios de tudo e de nada, mas mesmo assim tem um coração doce.

Há perguntas difíceis de colocar, e estas foram sem dúvida nenhuma difíceis. Que sorte que eu tenho em ter uma Mafalda como esta!

Sofre longe de mim, e como sofre com tudo isto. Tem a capacidade de estar ao meu lado sem vacilar, mesmo com o coração a sangrar. Consegue deixar-me chorar e obriga-me a respirar ao mesmo tempo. Ronda-me nos bons e maus momentos, como um verdadeiro anjo da guarda que é. Está sempre pronta para me amparar.

Acompanhou a minha gravidez conturbada, era muitas vezes a primeira cara que via quando saía da sala da ecografia. Destemida e resiliente, procurou exaustivamente respostas e soluções para tudo o que me estava a acontecer. Bateu a todas as portas que conhecia e procurou os melhores entre os melhores em busca de soluções e respostas.

É nela que deposito o meu bem mais precioso caso algum dia eu vá para o céu. O Pintainho precisa de pessoas assim, que o deixem crescer, mas que ao mesmo tempo, saibam conservar a bolha de coisas boas que tenho tentado construir. Que saibam contar histórias, e que lhe contém o quanto o amo. O meu Pintainho tem um verdadeiro anjo da guarda como madrinha.

Hoje, no silencio deste dia sombrio, não são precisas palavras para saber que aí estás e sei que sabes que eu estou aqui.

Não existe nada que eu possa fazer que retribua tudo o que ela fez e faz por mim. Posso viver 100 anos e agradecer todos os dias, que mesmo assim será pouco. Será sempre pouco!


Esta é a Mafalda:

> Quem é a Mafalda?
Boa pergunta! A Mafalda é mãe, filha, mulher, amiga, reivindicativa (ou refilona para alguns) e esforçada, sempre a correr de um lado para outro, a fazer o melhor que pode enquanto tenta não se sentir culpada por não conseguir fazer tudo como gostaria.

> És Psicóloga, especialista no Sono, mãe da doce M. Sentes que os desafios da maternidade põem à prova a profissional que há em ti?
Sinto que a maternidade, com tantos desafios de ordem vária, me deu outra perspetiva do mundo. Há um antes e um depois. Tem-me ajudado a ser mais paciente, mais compreensiva sobretudo nos momentos em que me sinto mais cansada (leia-se final do dia) e a aceitar que muitas vezes só se pode mesmo viver um momento de cada vez. Sem dúvida me torna melhor psicóloga, num melhor equilíbrio entre a teoria e as dificuldades que os pais podem sentir, na realidade, a implementá-la. Embora tenha uma filha que sabe dormir tranquilamente na sua cama, sei bem o é que dormir mal durante anos em resultado dos seus problemas de saúde.

> A escola preparou-te para lidar de perto com um cancro?
Na faculdade não nos preparam para lidar com o cancro, muito menos para o embate quando nos toca a nós ou aos nossos. Penso que só mesmo a escola da vida nos força a fazê-lo e mesmo assim é completamente diferente ser lead singer ou back vocal na doença.

> Como é ser Psicologa e amiga de alguém que é portador de um cancro?
Não sei. Porque se sou amiga não consigo ser psicóloga. Contigo tive de gerir as duas vertentes pelas circunstâncias nada comuns - inesperadamente, acontece uma coisa terrível a uma amiga, num momento tão especial e desejado da sua vida, mas esta descoberta acontece no meu local de trabalho, no serviço onde sou eu quem dá apoio psicológico, por uma equipa de quem gosto e com quem discuto tantos casos clínicos. De repente, pela velocidade estonteante a que tudo aconteceu, vejo-me nos bastidores da tua doença, cujas impressões ouço e que não me cabem a mim dar-te (e por isso não dei), mas que me ajudaram a gerir o que sentia e como te apoiar - aqui, claro está, como amiga. Por isso rapidamente te encaminhei para outras psicólogas, ambas da minha inteira confiança, para te darem e aos teus o apoio necessário. Só podia (e só quero) ser tua amiga nesta caminhada.

> Este processo não foi fácil, e tu sofreste tando ou mais que eu sem nunca o demonstrares. Onde é que se conseguem forças para se ser um pilar, quando o coração sangua?
É curioso escrever sobre algo que nunca falámos pessoalmente. Porque parece “indecente” falarmos do nosso sofrimento quando quem está a passar por aquele turbilhão estará a sofrer exponencialmente mais. Quando olho para trás vejo todos os imprevistos num crescendo - a alteração renal, o pé boto bilateral... Lembro-me, nas várias vezes em que nos vimos na Obstetrícia, do Super Homem dizer - “cada vez que cá vimos só nos dão más notícias!”
Lembro-me de quando me disseste que sentiste um nódulo no peito - mais uma vez, na sala de espera da Obstetrícia. Gelei mas imediatamente pensei “não há-de ser nada”. Queremos sempre negar que coisas más acontecem a pessoas boas e de quem gostamos. Lembro-me da notícia que ouvi dos médicos e da pressa que todos tiveram para diagnosticar. Aqui sim, começou a cair tudo. Falei com os médicos do hospital, com médicos amigos para outras opiniões, para saber o que esperar para te tentar apoiar o melhor possível. E sim, chorei junto de amigos comuns, pela surpresa desagradável, pelo medo, por tudo o que ainda viria (e nem sonhava com as coisas “relativamente comuns” que se seguiriam - já te disse que devias mudar o nome do blog!). Mas sou uma pessoa orientada para a resolução de problemas e isso deu-me força.
O saber que estavas a ser bem acompanhada também. As restantes fui buscá-las à partilha com amigos pessoais e comuns, ao apoio que ainda hoje nos continuamos a dar, ao quanto gosto de ti e, sobretudo, a quem és. Admiro-te imensamente pela forma como tens conseguido lidar com a doença e com os tratamentos, como consegues gerir o imprevisto, por nos conseguirmos rir de tantos incomuns e por conseguires por-te a nu neste blog. Tenho a certeza que eu não conseguiria lidar da mesma forma. És extraordinária.

> Foste a segunda pessoa que me viu careca. Como foi para ti esta mudança?
Lembro-me, mais uma vez, perfeitamente do momento. Desta vez não foi na Obstetrícia mas na sala de espera do Hospital de Dia. Estavas de costas para a entrada, sozinha, mas reconheci-te imediatamente. Foi apenas mais um tomar de consciência de que “isto está mesmo a acontecer”! Não me chocou o “corte”, acho até que te ficava bem, mas o sim a maneira como o fizeste e a forma tranquila como mo contaste! Mas lá está, és tu! Pegaste numa adversidade, enfrentaste-a e procuraste resolvê-la da melhor forma possível.

> És minha amiga e madrinha do Pintainho, no teu dia-a-dia acompanhas casos de perdas, tiveste e tens um papel ativo em todo este meu processo. O que dirias a alguém que se encontra na mesma posição que tu?
Foi com muito alegria que recebi a foto com o pedido para ser madrinha do Pintainho, que guardo com todo o carinho. Felizmente neste percurso também cabem boas recordações! Aceitei de coração, ciente de toda a responsabilidade e só espero estar à altura. Conheço-o desde as ecos, do berço da maternidade, das vossas inúmeras visitas ao hospital e felizmente começamos a ver-nos em contextos mais aprazíveis! Tem sido um prazer vê-lo crescer. Tem muito do pai, mas tem a tua boa disposição e não há momento em que não o tenha visto sorridente, apesar dos gessos e de todas as maldades necessárias! Também ele nos ensina que em cada situação difícil há sempre um sorriso à espreita! Mal posso esperar para ver o que fará em seguida! O que diria a alguém na mesma posição que eu? Que dê tudo o que tem de acordo com o que o outro precisa em cada momento. Quando te via tão positiva, não queria fazer perguntas que te poderiam tirar o sorriso. Há coisas que queremos dar ou dizer mas há momentos em que outro pode estar mais ou menos disponível para receber; doseá-las, mesmo que se queira dar tudo.
Que respeite o silêncio, mesmo que seja ensurdecedor. Que ajude a sorrir, pelo menos uma vez ao dia. Que continue a ser quem sempre foi na relação com a pessoa. E que não pense na morte. Vai chegar a todos. Mas naquele dia, não!

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

#atoressecundarios - A Apaziguadora

Se é difícil definir alguém, definir uma prima como esta é ainda pior. Acho que vou estar em falta linha sim linha sim! Nunca vou ter linhas suficientes nem imaginação para expressar o que sinto é o quanto sou grata a esta miúda!

Tatiana, sangue do meu sangue, prima boa do meu coração. Esta é uma das responsáveis pela queda do meu reinado de "a única"!
Designer Gráfica, acreditou num sonho e fundou a Godé, que com muita luta tem vindo a mostrar frutos e espero que assim continue, sempre a crescer que é para isso que ela trabalha tanto o que faz com que não haja tanto tempo livre quanto gostaríamos. Mais recentemente, e inspirada nos rebentos que têm aparecido, avançou com a marca Tão Balalão.

Como sabem não lhe achei grande piada ao início, mas depois (alguns anos confesso) lá me habituei e o que primeiro se estranha depois de entranha e eu já não vivo sem ela. Passamos dias sem falar mas ambas sabemos que ali estamos para o que der e vier. Mulher determinada e cheia de garra, não gosta de receber más notícias, mas é a portadora mas minhas más notícias todas. Nada justo! Acho-a muito parecida comigo, assim espalha brasas ou com pêlo na venta! Se o nosso avô aqui estivesse de certo que também a chamaria de "corna".

Gosto tanto quando ela me diz que "vai correr bem", vocês nem imaginam, mesmo quando eu sei que vai correr mal, a maneira como ela diz isto aquece-me o coração. É como se estivesse abraçada a ela. 
Dizem que os primos são os primeiros grandes amigos, no nosso caso não foi bem assim, andámos desencontradas, mas estou grata por ela fazer parte deste presente.

Gosto muito de ti miúda!!!


Esta é a Tatiana:

> Quem é a Tatiana?
Ora bem, a Tatiana é uma pessoa que não tem jeito nenhum para estas coisas… ahahah.
Mas a Tatiana é uma pessoa muito simples que quer aproveitar a vida ao máximo e da melhor maneira, junto das que pessoas que são muito importantes, a família e os amigos.

> És Designer e tia de uma Princesa com menos 15 dias que o meu Pintainho. Como foi estar no meio de uma gravidez tranquila e outra conturbada?
Assistir de perto a estas duas gravidezes foi muito enriquecedor. Vivi de perto e quase diariamente com a Magda, a minha irmã gémea, quem me deu uma linda sobrinha e também assisti à tua gravidez, a gravidez deste maravilhoso pintainho.
Foram gravidezes que tiveram coisas parecidas e outras nem tanto, mas tanto numa como noutra assisti a duas mães que já amavam muito os seus “bolinhos” e que lutaram por eles com muita força.
Vivi as duas gravidezes com muito entusiasmos, sempre acreditei que o pintainho ia superar tudo, que era e é muito forte, como podemos comprovar! Está um grande rapazão, com gesso ou sem gesso, cada dia atinge mais objetivos, a seu tempo mas vai fazer tudo como a sua priminha com diferença de 15 dias. 

> O nosso avô morreu de cancro, o teu pai teve um cancro e agora eu tive um cancro. Existe alguma coisa que nos prepare para lidar com isto de perto?
Pois, acho que não existe nenhuma forma de nos preparara-mos para estas situações. Temos sempre a esperança de que não nos aconteça a nós e aos nossos e por vezes podemos ser surpreendidos… mas preparar-nos… não sei como.
Acho que são situações que só sabemos o que fazer ou dizer no momento que as vivemos. E foi o que fiz contigo! Quando ao fim de um dia quando estava a ir para casa da Magda e me ligaste a dar a notícia… tentei fazer o que achei que era o mais correto, dizer-te as melhores palavras naquele momento, não sei se foram as melhores mas foi as que naquele momento achei que eram, e as que achei que te podiam ajudar se é que eu podia ajudar… Não podia mudar nada… mas podia acalmar-te e dar-te força e apoio-te e tentar ver as coisas de uma força mais positiva e otimista. Espero que tenho conseguido alguma destas coisas!

> Como é ser prima de alguém que é portador de um cancro?
Ser prima de alguém que teve de lutar contra esta doença é uma lição de vida. É uma situação que nos faz pensar na vida… se fosse comigo como ia ser? Ia ser capaz de lutar como tu o fizeste? Acho que é normal termos medos e receios e que por algum momento é inevitável pensarmos nisso. Mas se tiver como exemplo o teu exemplo, vejo que é possível ultrapassar tudo, como sempre te disse que acreditava que era possível. És uma lutadora que não baixa os braços, e é isso que vejo quando olho para ti!

> Foste uma das pessoas a quem pedi para me rapar a cabeça, embora depois não tenha sido possível. Foi fácil dizer-me que sim?
Foi das respostas que não hesitei em responder, disse logo que sim, acho que nem pensei. Era a única resposta que te podia ter dado. Claro que se calhar me ia custar porque sei que o teu cabelo comprido era das coisas que mais gostavas em ti, e que nunca querias cortar muito, não te gostavas de ver de cabelo curto. Por isso, ao me fazeres essa pergunta e eu sabendo o que te ia custar não podia ter dado outra resposta, CLARO QUE SIM!

> Foste das primeiras pessoas que me viu careca. Como foi para ti esta mudança?
Claro que foi uma mudança, estavas diferente mas acho que consegui lidar muito bem, não me fez confusão nenhuma. Estavas linda na mesma, e estou a ser sincera, sabes disso! O mais importante quando te vi pela primeira vez sem cabelo foi perceber como é que estavas com essa situação. Para mim era o mais importante.

> És minha prima, acompanhaste de perto todo este processo. O que dirias a alguém que se encontra
na mesma posição que tu?
Toda a gente que se encontre na mesma situação que eu, seja uma prima, um pai, um avó, outro família ou amigo, que esteja a passar por uma situação destas, o que a meu ver devemos fazer é estarmos disponíveis para o que for preciso, para o que podermos ajudar. Devemos sempre dar apoio, força, mas nunca deixarmos quem precisa do nosso apoio a sentir-se mal. Às vezes também é preciso darmos espaço, mas darmos a entender que estamos sempre aqui. Às vezes não estamos perto fisicamente mas estamos presentes e é importante passarmos isso a quem precisa de nós.

Recidivas

No espaço de um mês o céu conta com mais duas estrelas. Ambas vitimas de Gervásios, ambas vitimas de recidivas. Gervásios diferentes mas que com o tempo se tornaram iguais.
Alguém sabe a taxa de recidiva para um Gervásio como o meu? Eu não sei, nunca pesquisei, mas também não quero saber. Não posso saber.

No dia 7 de setembro fiz a minha última sessão de radioterapia. Desde esta data que ando em modo pausa. Não sei bem o que se segue, para além da fisioterapia e da injeção de Transtuzumabe (Anticorpo Monoclonal) que ainda terei de fazer por mais um ano. Nunca perguntei, mas também sei que não posso continuar a fugir a esta pergunta por muito mais tempo e por esse motivo decidi que na próxima consulta vou perguntar à médica. Dia 16 de novembro é o dia "P"!
Com isto definido na minha cabeça, há outra pergunta que se impõe: "Quanto tempo tenho de vida?" Vá, temos de agarrar o touro pelos cornos e o meu Gervásio até tinha dois se bem se lembram. Acho que vou ter de lhe perguntar isto. Se em tempos só a ideia de colocar esta pergunta me dava arrepios, agora dá-me um formigueiro mas mãos. Não sei explicar.

Com a partida destas duas pessoas pelo mesmo motivo, apercebi-me que o medo corre-me nas veias. Afinal a minha ideia mantém-se, isto é para toda a vida dure ela o tempo que durar. 
Não vou deixar os corredores do hospital, não voltar a ser o que fui, isso é certo. Seja para exames de rotina ou para tratamentos, os hospitais tornaram-se a minha segunda casa. Ainda agora terminei de executar o desenho que me fizeram há nove meses atrás e já estou em pânico com o que aí vem. Sonho que tenho Gervásios em todo o lado, até na próstata!!!! Depois acordo e penso: "Paula, tu és uma menina e as meninas não têm próstata!!!"

Cheguei até a pensar, se não seria bom continuarem a injetar químicos para isto nunca mais aparecer. Assim como assim os químicos já me arrancaram o cabelo todo uma vez e há muitas pessoas que vivem carecas!
É estúpido eu sei, mas nunca ninguém disse que o Gervásio é racional.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

#atoressecundarios - A Psicóloga

É mais que uma atriz secundária, é uma almofada, uma lufada de ar fresco quando o ar está a faltar. Matilde, Psicóloga Clínica e mãe de duas Princesas. Era simples se a definição da Matilde ficasse por aqui, mas ela é isto e muito mais.

Partilha comigo alegrias e tristezas, duvidas e preocupações. Andámos lado a lado, as duas de ventre cheio. Amparou-me os medos e preocupações muito além destes 9 meses. Teve e tem um papel fundamental no meu dia-a-dia. Nunca chorou à minha frente, mas sofreu tanto ou mais do que eu.



Esta é a Matilde:

> Quem é a Matilde?
Pergunta difícil, mas de resposta simples. A Matilde é uma comum-mortal que tenta levar uma vida normal, igual à de tantas mulheres que tentam conciliar todos os desafios que lhes surgem. 

> És Psicóloga e mãe de duas Princesas. Sentes que os desafios da maternidade põem à prova a profissional que há em ti?
Todos os dias, e todos os dias a profissional que há em mim falha! Não me preocupa nada, mesmo antes de ter filhos, assumi sempre que quando fosse mãe, seria apenas mãe. É claro que há angustias de quem lida de perto com perturbações do desenvolvimento, estamos sempre em alerta para o mínimo indicio de problema. 

> A escola preparou-te para lidar de perto com um cancro?
A escola não, a vida talvez. Infelizmente é muito comum na minha família paterna, somos uma família grande e onde há muitos casos de cancro, aliás, costumo dizer que é o que tenho de mais certo, é vir a desenvolver um cancro. Tento não pensar muito nisto, mas é um facto. Mas é difícil lidar com o teu Gervásio, porque apareceu de forma totalmente inesperada: na pessoa errada, no momento errado. Numa fase das nossas vidas em que ambas estávamos a "gerar" vidas.

> Como é ser Psicóloga e amiga de alguém que é portador de um cancro?
Bem... sou só amiga, não consigo ser psicóloga, sinto-me emocionalmente muito próxima para conseguir ser a psicóloga. O choque da noticia foi brutal, nem imaginas o quanto, nem imaginas o medo que senti, um medo tremendo de te perder. Para mim, o lema da nossa amizade passou a ser, vou fazer tudo para que se sinta o melhor possível em todos os dias do resto da sua vida! Tento ouvir-te o mais atentamente possível e tento respeitar quando sinto que não queres falar sobre o assunto (às vezes é difícil não fazer perguntas, sorry!). Previ tratamentos duros, uma depressão grande e uma maternidade comprometida. Mas tu, sempre a surpreender... levaste os tratamentos com uma serenidade incrível, emocionalmente provaste que és "à prova de bala" e és uma mãe espectacular.  

> Foste das primeiras pessoas que me viu careca. Como foi para ti esta mudança?
Não me chocou nada de nada! Achei que estavas muito gira. Sei que é uma coisa que te marcou muito, como a todas as pessoas que passam pela quimio, mas acho que o impacto que essa mudança tem nos outros é muito menor do que imaginas. Falámos tanto de cabeleiras, lenços, que acho que banalizei completamente o facto de estares careca. Mas já a forma repentina e autónoma (sim, porque fizeste isso sozinha!!!) como rapaste o cabelo, isso sim marcou-me. Nunca vou esquecer a mensagem no whatsapp às tantas da manhã a dizeres que tinhas rapado o cabelo.

> És minha amiga e colega, acompanhaste de perto todo este processo. O que dirias a alguém que se encontra na mesma posição que tu?
Acho que a esta, devias responder tu, não? Bem, nunca fizemos tabu deste assunto, falamos sempre fria e cruamente do Gervásio, acho que isso foi importante. Talvez o ouvir atentamente e respeitar quando a pessoa doente não quer falar sobre o tema, porque imagino que toda a gente faça as mesmas perguntas, milhões de vezes. Também é importante guardarmos as nossas angustias connosco, ou melhor, partilhar as nossas angustias sobre o tema com outras pessoas, e não sobrecarregar a amiga doente. E acima de tudo, continuar a viver, fazermos as coisas como fizemos até ao dia em que o cancro é anunciado. Enfim, acho que é um jogo de equilíbrios difícil e que obviamente não consegui sempre, afinal sou só uma comum-mortal.  


#atoressecundarios


"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós." - Antoine de Saint-Exupéry

Ao longo de 9 meses de cancro e 6 de blog, foram muitos aqueles que se manifestaram. Muitas foram as mensagens, telefonemas e visitas com manifestações de carinho. 
Nestes 6 meses de blog, contei muito. Partilhei esta minha aventura (e algumas desventuras) na maternidade e no cancro. Nestes 6 meses ri e chorei com quem me lê.

Como já tive oportunidade de escrever, não estou só. Esta viagem não é só minha, é de todos os que me acompanham. É graças a eles que esta jornada tem sido mais leve, e é por eles, por vocês, que o blog existe.

Se esta história tem atores principais, também tem atores secundários e sem eles o desenlace era outro.
Chegou a altura de vos dar a conhecer as pessoas que ao longo destes 9 meses de alguma forma influenciaram a minha vida. Chegou a hora de vos dar a conhecer todos aqueles que me tocaram.

Apresento-vos a nova rubrica do blog #atoressecundarios

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O que queres ser quando fores grande?

Os bebés são destemidos, não têm noção do perigo. Já as mães são mariquinhas, calculam meticulosamente cada consequência para um determinado acto. São rápidas no calculo!

Eu quando era pequenina, fazia ginástica. Fiz ginástica durante uns bons anos. Não tinha medo, mas também não tinha noção do perigo. Era tão ou mais rápida a levantar-me que a cair, e se caía... A dada altura a minha mãe deixou de me ir ver e eu nem estranhei. Não que não sentisse a falta dela, mas acho que preferia não ter ninguém na bancada a torcer por mim, era mais fácil.
Quando me perguntavam o que queria ser quando fosse grande, era perentória: "Ginasta!"

O anos foram passando, os sonhos ficaram longe, deixei de saber o que queria ser quando fosse grande, na realidade já estava a ficar grande e a pergunta que se impunha era "o que queres ser amanhã?".

Nunca cheguei a conclusão nenhuma, fui-me adaptando às necessidades e exigências da sociedade e do quotidiano claro. 

Hoje sou administrativa num Centro de Desenvolvimento Infantil. Nunca fez parte dos meus planos, mas aconteceu e sou feliz com isso.

Agora, já adulta e a olhar para as imagens que tenho gravadas na memória, pergunto-me muitas vezes o que me fez mudar de ideia. O que me fez por os sonhos de lado?
O que nos leva a nós, adultos, a ter medo de pôr o pé fora do tapete? Onde é que foi parar a coragem que tínhamos na altura em que fugíamos do tapete de atividades? Para onde foi a vontade de conhecer o que está para lá do tapete? Serão só os cálculos de risco?

E tu? O que queres ser quando fores grande?

sábado, 14 de outubro de 2017

Primeiro dia

A principio é simples, anda-se sozinho
Passa-se nas ruas bem devagarinho
Está-se bem no silêncio e no borborinho
Bebe-se as certezas num copo de vinho
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
Dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
Diz-se do passado, que está moribundo
Bebe-se o alento num copo sem fundo
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
Entra-se cansado e sai-se refeito
Luta-se por tudo o que se leva a peito
Bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
Olha-se para dentro e já pouco sobeja
Pede-se o descanso, por curto que seja
Apagam-se dúvidas num mar de cerveja
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
Enfrenta-se a vida de fio a pavio
Navega-se sem mar, sem vela ou navio
Bebe-se a coragem até dum copo vazio
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
E outra maré cheia virá da maré vaza
Nasce um novo dia e no braço outra asa
Brinda-se aos amores com o vinho da casa
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

Sérgio Godinho - O Primeiro Dia



14 de janeiro de 2017 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas, durem elas o que durarem.
Às 9.46h ouviu-se pela primeira vez o choro do Pintainho, como eu ansiava aquele som... Éramos pais! Momentos depois de nascer pude olhar para ele. E como foi bom ver que tinha feições típicas. 

Às 35 semanas de gestação tinham-nos dito que poderia ser portador de uma Trissomia, por isso o pânico estava instalado nos nossos corações, até ao momento em que podemos olhar para ele.
Nesse momento nada mais existia, estávamos numa bolha. Acho que os nascimentos, ou pelo menos a maioria deles são assim, envoltos em magia. 

Tenho pena de o Super-Homem ter sido obrigado a ouvir aquele primeiro choro do outro lado da porta. Não consigo imaginar a angustia e não sei como aquele coração não colapsou naquelas longas 24 horas.
Amigos, família e colegas estavam espalhados nos corredores do hospital ou a aguardar que o telefone tocasse. Que noite angustiante a deles. 

Hoje o Pintainho faz 9 meses, e que 9 meses estes. Que turbilhão de emoções, como a nossa vida mudou... 
Lágrimas, sorrisos, químicos, contratempos e vitórias, mas estamos cá. Aprendemos que somos mais fortes do que algum dia pensámos. Quando estamos quase sem forças e prestes a desistir, de olhos cheios de lágrimas confesso, aparece um bote para nos salvar. Quando pensamos que não conseguimos, depressa o Pintainho nos mostra o quanto estamos enganados. 

Hoje vamos comemorar porque merecemos.
Amanhã... logo se vê.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O meu irmão casou!

O meu irmão casou! É verdade, o meu irmão João casou.
Eu tenho três irmãos: o João com menos 5 anos que eu; o Pedro com 17 anos, é o meu géniozinho e a Margarida com 13 anos, é a caçula.


Gosto de todos os meus irmãos claro, mas o João tem "um sabor especial", é que eu antes de o amar perdidamente, ODIAVA-O! Já o Pedro e a Margarida, gostei logo deles assim que soube da sua existência.

Quando o João nasceu o meu reinado acabou. Para dizer a verdade, o meu reinado começou a dar sinais de falência um ano antes do aparecimento do João. Com o nascimento das gémeas eu deixei de ser a única e a qualidade e quantidade das minhas prendas e mimos reduziu. Não lhes guardo rancor, mas falaremos delas num outro post.

O João era (e estou a dizer no passado só porque a minha cunhada lê o blog e pode querer fugir), partia-me os bonecos, desarrumava tudo, cortava fios de telefone com o corta-unhas e recortava os comboios da colcha da cama. Lembro-me da peste colocar os legos no chão só para ou os pisar quando saía da cama. Não era capaz de estar calado 5 minutos. Digam lá que não era querido?!

Confesso que fugia no meu irmão. Juntos dava gritos e puxões de cabelos. Os adultos à nossa volta ficavam de cabelos em pé. Lembro-me de a minha avó me dizer "mas tu querias tanto um irmão..." Pois, mas eu pensava que os irmãos eram como os Nenucos, e este Nenuco não dava para tirar as pilhas! Eu estava claramente infeliz, mas era a única e fui a única até a criatura começar a partir tudo onde punha as mãos, aí sim, houve quem se juntasse ao meu clube.

Aos 28 anos o João encontrou o amor. A rapariga tem os olhos azuis e é simpática e o rapaz apaixonou-se. Eu ainda lhe perguntei se ela tinha a certeza que queria casar com ele, mas respondeu-me com tanta convicção que achei que a coisa estava bem encaminhada. Resta agora desejar que sejam felizes e estar aqui para o que precisarem.

Quem nunca odiou um irmão que me atire a primeira pedra vá...

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Quando nada mais importa


Estávamos em agosto, de férias em Santa Eulália, destino escolhido para recuperar forças. Aqui, onde não há televisão (por opção), onde a rede de telemóvel é fraca, onde se cumprimenta tudo e todos. Vila recatada, casa simples mas acolhedora. Aqui éramos só "namoridos", casámos em março do ano seguinte.

Em agosto de 2014 estava a brincar com a máquina fotográfica e registei este momento. Já vos tinha dito que adoro fotografia??
À nossa volta estava um monólogo desinteressante, mas sempre fomos bons ouvintes e estávamos a desempenhar o nosso papel. Sim, porque ser amigo às vezes também é saber ouvir mesmo quando não se concorda. Mas não é isso que interessa.

Esta fotografia é especial para mim, não só porque foi tirada ao acaso ou porque é a concretização de que a minha pessoa sabe trabalhar com a máquina sem ser em modo automático, mas porque registou o que nos vai na alma. Nesta fotografia nada foi encenado, nem os sorrisos nem a troca de olhares. Simplesmente aconteceu.

Nesta altura não existia Pintainho nem em sonhos. Já tínhamos uma estrelinha no céu e estávamos a planear o casório. Éramos só nós os dois e chegava.

Esta fotografia é (para mim) a certeza de que não me enganei há 13 anos quando o deixei entrar na minha vida e estou grata por ele me ter escolhido a mim.

Um dia volto a agarrar na máquina e a registar momentos. Um dia volto a conseguir olhar para o quadradinho um por um e ver mais além. Um dia ponho o Pintainho no carrinho e volto a palmear os miradouros de Lisboa. Um dia.

Já vos disse que o que importa é o amor?

O Gervásio morreu!

O Gervásio morreu!
Como desejei que este dia chegasse para poder dizer isto... O GERVÁSIO MORREU!!!!

O Gervásio nunca pagou a renda, era um salteador que se apoderou de metade da minha margarida.
O Gervásio em janeiro era vigoroso, tinha perto de 10cm, mas foi mingando, mingando, até que aos 4cm não mingou mais e foi necessário recorrer às mãos experientes da Prof. Maria João Cardoso que o despejou à força. Não vou sentir a falta dele, acho que ninguém vai.

A verdade tem de ser dita, se não existissem Gervásio e maleitas do Pintainho, não existiria blog e não existiriam vocês, pelo que é a única coisa que tenho a agradecer. A existência dele serviu para isso.
Agora com a morte do Gervásio o blog vai continuar, porque a luta também ainda não terminou e eu já não sei viver sem vocês. Apesar de o Gervásio ter sido despejado em Julho, existiram seguidores que não se aperceberam do estado e tenho recebido algumas mensagens (obrigada por isso). Confesso que já queria ter publicado isto antes, mas com o acidente lá em casa tudo ficou suspenso.

Faz hoje 9 meses que fiz a biopsia e por esta hora estaria a levantar-me da marquesa lavada em lágrimas. A biopsia foi dolorosa e as hormonas de uma grávida ajudam a agravar as coisas. Por esta hora estava a dar festas no ventre e a rezar muito.

Fiz 5 meses de quimioterapia, uma Mastectomia Modificada com reconstrução imediata, quinze sessões de Radioterapia e continuarei a fazer um anti-corpo (Transtuzumab) por mais um ano.

A Quimioterapia foi dura, muito dura, já a cirurgia e a Radioterapia levei bem. Temi que a Radioterapia fizesse cheirar a porco queimado, mas não.
Agora não sei o que se segue, mas cada coisa a seu tempo pois cada preocupação tem o seu lugar.

O blog vai continuar enquanto existirem vocês aí desse lado, enquanto não se cansarem de mim e dos meus mimimis.

Por agora, levantem os copos e brindem comigo! Obrigada por me acompanharem nesta jornada.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Há estrelas no céu




Pintainho filho de Super-Homem é assim, destemido e resiliente. Pintainho filho de Super-Homem é Super-Pintainho!
Constipado e com febre, ranho de um homem grande, mas continua a sorrir. Brinca, parla e como se não estivesse doente. Come tudo o que lhe dou, carne, peixe, legumes e fruta, não estranha nem a água. Aliás, acho que ele come até explodir. Nunca experimentei deixar explodir, não vá ter problemas com a CPCJ.

Ontem foi um dia bom. Ontem fui à consulta de Radiologia e ouvi atentamente tudo o que o médico tinha para me dizer e confesso que fiquei surpreendida com o que ouvi no final. Afinal já há muito tempo que não tínhamos boas notícias. Esta semana foi a semana das boas notícias!!
Ontem tive alta de Radiologia, melhor, ouvi "A poco la vida volverá a la normalidad. Va a ser poco a poco, pero ya está volviendo a la normalidad." Não é bom??? Fiquei arrepiada. 

No dia 4 de outubro fiz uma colonoscopia e o resultado não podia ser melhor. Não se passa nada nas minhas vísceras! O médico deu-me a notícia e eu agradeci, mas a sedação ainda estava a circular no sangue pelo que o enfermeiro querido fez questão de repetir. A minha reação foi de tal surpresa que o enfermeiro fez questão de o repetir várias vezes "pode respirar que está mesmo tudo bem". Adormeci naquela maca a pedir a todos os santinhos que me têm acompanhado, para me ajudarem em mais esta luta. O meu anjo da guarda tirou o dia para mim.

Ainda não comemorámos, ainda não tivemos tempo, mas o ar tem vindo com outra leveza. Conseguimos respirar um bocadinho melhor do que nestes últimos (quase) nove meses.
O céu está estrelado. Já não é só no teto do quarto que existem estrelas. Já podemos olhar o céu e sentir a mesma serenidade que este boneco fofinho que ilumina as noite do Pintainho.
Agora é tempo de respirar e desfrutar um bocadinho esta calmaria. Segunda feira voltamos aos gestos e às preocupações, mas até lá, vamos ver as estrelas.

domingo, 24 de setembro de 2017

Paredes

Se em tempos a busca por uma casa era fácil, agora é uma verdadeira odisseia. Não só porque os preços andam astronómicos (e não estou a falar de nenhum palacete), mas também porque os critérios são bastante mais exigentes. 

Nunca nos apegámos a nenhuma casa, para dizer a verdade a casa da Serra (a que está escangalhada) foi a primeira onde investimos verdadeiramente. Foi a primeira que nos fez comprar mobílias, foi a primeira onde nos sentimos verdadeiramente em casa. Era a nossa casa.

Depois do acidente tudo mudou. Deixou de ser a nossa casa, tudo desapareceu e em vez de recordações aquelas paredes passaram a guardar medos e inseguranças. Os cheiros desapareceram.
A recuperação da casa e dos bens terá de ser tratado em tribunal e parece-me que a jornada vai ser longa.



Começámos a procurar umas paredes para guardar as recordações antigas e criar memórias. Sim, a casa que escolher-mos servirá para criar novas recordações. Seja ela onde for.

Se antes pouca coisa importava, agora a lista é grande. Queremos umas paredes onde o Pintainho possa crescer em segurança e ser feliz, ser criança. Porque para medos e incertezas já nos bastam todos os outros.

Queremos umas paredes que possamos encher de amor e risos, onde possamos ser novamente uma família, onde possamos entrar e respirar, sentir os nossos cheiros e sabores. Queremos um chão para rebolar, onde possamos ficar aconchegados como se de um só corpo se tratasse. Paredes onde o tempo não tem o mesmo compasso de um relógio. Uma casa é isto. É entrar por uma porta e sentir uma avalanche de coisas boas e só coisas boas. Queremos paredes que nos permitam sonhar e fazer promessas com o coração. Porque no fim de contas, o que importa é o amor.