Mafalda com voz de anjo, Psicóloga Clínica e mãe da doce M. Trabalha com perdas e lutos, colos cheios de tudo e de nada, mas mesmo assim tem um coração doce.
Há perguntas difíceis de colocar, e estas foram sem dúvida nenhuma difíceis. Que sorte que eu tenho em ter uma Mafalda como esta!
Sofre longe de mim, e como sofre com tudo isto. Tem a capacidade de estar ao meu lado sem vacilar, mesmo com o coração a sangrar. Consegue deixar-me chorar e obriga-me a respirar ao mesmo tempo. Ronda-me nos bons e maus momentos, como um verdadeiro anjo da guarda que é. Está sempre pronta para me amparar.
Acompanhou a minha gravidez conturbada, era muitas vezes a primeira cara que via quando saía da sala da ecografia. Destemida e resiliente, procurou exaustivamente respostas e soluções para tudo o que me estava a acontecer. Bateu a todas as portas que conhecia e procurou os melhores entre os melhores em busca de soluções e respostas.
É nela que deposito o meu bem mais precioso caso algum dia eu vá para o céu. O Pintainho precisa de pessoas assim, que o deixem crescer, mas que ao mesmo tempo, saibam conservar a bolha de coisas boas que tenho tentado construir. Que saibam contar histórias, e que lhe contém o quanto o amo. O meu Pintainho tem um verdadeiro anjo da guarda como madrinha.
Hoje, no silencio deste dia sombrio, não são precisas palavras para saber que aí estás e sei que sabes que eu estou aqui.
Não existe nada que eu possa fazer que retribua tudo o que ela fez e faz por mim. Posso viver 100 anos e agradecer todos os dias, que mesmo assim será pouco. Será sempre pouco!
Esta é a Mafalda:
> Quem é a Mafalda?
Boa pergunta! A Mafalda é mãe, filha, mulher, amiga, reivindicativa (ou refilona para alguns) e esforçada, sempre a correr de um lado para outro, a fazer o melhor que pode enquanto tenta não se sentir culpada por não conseguir fazer tudo como gostaria.
> És Psicóloga, especialista no Sono, mãe da doce M. Sentes que os desafios da maternidade põem à prova a profissional que há em ti?
Sinto que a maternidade, com tantos desafios de ordem vária, me deu outra perspetiva do mundo. Há um antes e um depois. Tem-me ajudado a ser mais paciente, mais compreensiva sobretudo nos momentos em que me sinto mais cansada (leia-se final do dia) e a aceitar que muitas vezes só se pode mesmo viver um momento de cada vez. Sem dúvida me torna melhor psicóloga, num melhor equilíbrio entre a teoria e as dificuldades que os pais podem sentir, na realidade, a implementá-la. Embora tenha uma filha que sabe dormir tranquilamente na sua cama, sei bem o é que dormir mal durante anos em resultado dos seus problemas de saúde.
> A escola preparou-te para lidar de perto com um cancro?
Na faculdade não nos preparam para lidar com o cancro, muito menos para o embate quando nos toca a nós ou aos nossos. Penso que só mesmo a escola da vida nos força a fazê-lo e mesmo assim é completamente diferente ser lead singer ou back vocal na doença.
> Como é ser Psicologa e amiga de alguém que é portador de um cancro?
Não sei. Porque se sou amiga não consigo ser psicóloga. Contigo tive de gerir as duas vertentes pelas circunstâncias nada comuns - inesperadamente, acontece uma coisa terrível a uma amiga, num momento tão especial e desejado da sua vida, mas esta descoberta acontece no meu local de trabalho, no serviço onde sou eu quem dá apoio psicológico, por uma equipa de quem gosto e com quem discuto tantos casos clínicos. De repente, pela velocidade estonteante a que tudo aconteceu, vejo-me nos bastidores da tua doença, cujas impressões ouço e que não me cabem a mim dar-te (e por isso não dei), mas que me ajudaram a gerir o que sentia e como te apoiar - aqui, claro está, como amiga. Por isso rapidamente te encaminhei para outras psicólogas, ambas da minha inteira confiança, para te darem e aos teus o apoio necessário. Só podia (e só quero) ser tua amiga nesta caminhada.
> Este processo não foi fácil, e tu sofreste tando ou mais que eu sem nunca o demonstrares. Onde é que se conseguem forças para se ser um pilar, quando o coração sangua?
É curioso escrever sobre algo que nunca falámos pessoalmente. Porque parece “indecente” falarmos do nosso sofrimento quando quem está a passar por aquele turbilhão estará a sofrer exponencialmente mais. Quando olho para trás vejo todos os imprevistos num crescendo - a alteração renal, o pé boto bilateral... Lembro-me, nas várias vezes em que nos vimos na Obstetrícia, do Super Homem dizer - “cada vez que cá vimos só nos dão más notícias!”
Lembro-me de quando me disseste que sentiste um nódulo no peito - mais uma vez, na sala de espera da Obstetrícia. Gelei mas imediatamente pensei “não há-de ser nada”. Queremos sempre negar que coisas más acontecem a pessoas boas e de quem gostamos. Lembro-me da notícia que ouvi dos médicos e da pressa que todos tiveram para diagnosticar. Aqui sim, começou a cair tudo. Falei com os médicos do hospital, com médicos amigos para outras opiniões, para saber o que esperar para te tentar apoiar o melhor possível. E sim, chorei junto de amigos comuns, pela surpresa desagradável, pelo medo, por tudo o que ainda viria (e nem sonhava com as coisas “relativamente comuns” que se seguiriam - já te disse que devias mudar o nome do blog!). Mas sou uma pessoa orientada para a resolução de problemas e isso deu-me força.
O saber que estavas a ser bem acompanhada também. As restantes fui buscá-las à partilha com amigos pessoais e comuns, ao apoio que ainda hoje nos continuamos a dar, ao quanto gosto de ti e, sobretudo, a quem és. Admiro-te imensamente pela forma como tens conseguido lidar com a doença e com os tratamentos, como consegues gerir o imprevisto, por nos conseguirmos rir de tantos incomuns e por conseguires por-te a nu neste blog. Tenho a certeza que eu não conseguiria lidar da mesma forma. És extraordinária.
> Foste a segunda pessoa que me viu careca. Como foi para ti esta mudança?
Lembro-me, mais uma vez, perfeitamente do momento. Desta vez não foi na Obstetrícia mas na sala de espera do Hospital de Dia. Estavas de costas para a entrada, sozinha, mas reconheci-te imediatamente. Foi apenas mais um tomar de consciência de que “isto está mesmo a acontecer”! Não me chocou o “corte”, acho até que te ficava bem, mas o sim a maneira como o fizeste e a forma tranquila como mo contaste! Mas lá está, és tu! Pegaste numa adversidade, enfrentaste-a e procuraste resolvê-la da melhor forma possível.
> És minha amiga e madrinha do Pintainho, no teu dia-a-dia acompanhas casos de perdas, tiveste e tens um papel ativo em todo este meu processo. O que dirias a alguém que se encontra na mesma posição que tu?
Foi com muito alegria que recebi a foto com o pedido para ser madrinha do Pintainho, que guardo com todo o carinho. Felizmente neste percurso também cabem boas recordações! Aceitei de coração, ciente de toda a responsabilidade e só espero estar à altura. Conheço-o desde as ecos, do berço da maternidade, das vossas inúmeras visitas ao hospital e felizmente começamos a ver-nos em contextos mais aprazíveis! Tem sido um prazer vê-lo crescer. Tem muito do pai, mas tem a tua boa disposição e não há momento em que não o tenha visto sorridente, apesar dos gessos e de todas as maldades necessárias! Também ele nos ensina que em cada situação difícil há sempre um sorriso à espreita! Mal posso esperar para ver o que fará em seguida! O que diria a alguém na mesma posição que eu? Que dê tudo o que tem de acordo com o que o outro precisa em cada momento. Quando te via tão positiva, não queria fazer perguntas que te poderiam tirar o sorriso. Há coisas que queremos dar ou dizer mas há momentos em que outro pode estar mais ou menos disponível para receber; doseá-las, mesmo que se queira dar tudo.
Que respeite o silêncio, mesmo que seja ensurdecedor. Que ajude a sorrir, pelo menos uma vez ao dia. Que continue a ser quem sempre foi na relação com a pessoa. E que não pense na morte. Vai chegar a todos. Mas naquele dia, não!