terça-feira, 30 de maio de 2017

Corpo estranho


Hoje o Pintainho veio para casa sem gessos. Em compensação, calçou os seus Ferrari pela primeira vez.
Acho que estranhou quando agarrei nele para vir embora. Ficou a olhar para o enfermeiro como quem diz "não se esqueceram de me por aqui nada?!"

Hoje não temos um Pintainho contente e sorridente, pelo contrário, temos um Pintainho chorão e zangado. Está com uma cara de poucos amigos e inconsolável. Não o recrimino, afinal de contas ele não sabe que tem pernas, acho que nunca lhes tinha tocado. Ficou de olhos esbugalhados quando lhes tocou pela primeira vez, como se de um corpo estranho se tratasse.

As mãos do Super-Homem são grandes, as botas não são pequenas, são minúsculas. Por isso cabe-me a mim a árdua tarefa de encaixar os pés nas botas. Ele chora e eu choro com ele!
Se a colocação dos gessos não era bonito de se ver e em certas alturas eu fugi, agora não posso fugir. Agora não tenho uma enfermeira querida para me dar uma cadeira quando de sinto mal. Agora se me sentir mal tenho de me aguentar à bomboca e depois de lhe calçar as botas estando acompanhada posso cair para o lado. Até lá...

O dia já foi longo, cheio de coisas novas. Foi de tal forma que acabou de aterrar no tapete de atividades, de música ligada e barriga ao léu (sim umas das suas brincadeiras é puxar as camisolas até à cara...)... Coitadinho, está cansado.


O Gangue das Perfeitinhas



Corro o risco de ferir suscetibilidades de alguém que me lê, mas isto já não se aguenta! Desculpem lá qualquer coisinha.

Nas redes sociais o que não faltam são grupos. Há um grupo para tudo e todos, não há como ficar com dúvidas, há grupo de ajuda para todos os vossos problemas! Podem perguntar que os membros respondem.

Eu faço parte de alguns grupos desses, mas há um que me irrita particularmente (apesar de fazer parte dele) de vez em quando. É supostamente um grupo de ajuda a mães. Digo supostamente porque, apesar de a maioria das vezes assistir de palanque ao que é questionado e respetivas sugestões, verifico que muitas vezes a desinformação é maior que a informação. Mas elas estão tão certas das suas respostas e nós somos tão más mães...
Existe um conjunto de mães que podiam bem criar um grupo para elas, chamo-as de "Gangue das Perfeitinhas"!
Estas Perfeitinhas não têm problemas. Estas Perfeitinhas têm uma vida perfeita, e são mães perfeitas. Não dão papas de compras pois fazem elas próprias em casa, retiram glúten e açúcares do plano alimentar das crias, fazem os seus próprios iogurtes, as sopas e frutas são feitas exclusivamente com produtos biológicos, as crias vestem somente roupa 100% algodão (também ele biológico) e o mesmo se passa com as fraldas e toalhitas. Biogaia, Colimil e etc não constam no armário dos medicamentos, Aero-om então é para esquecer que tem muito açúcar! Ainda questionam se a indicação X e Y que o pediatra deu está mesmo certa.

As Perfeitinhas estão sempre lindas quando os respetivos chegam a casa. Têm a casa sempre num brinco mesmo sem empregada. As Perfeitinhas aproveitam que as crias com 3 meses já dormem a noite toda para terem noites românticas todos os dias com os respetivos. As Perfeitinhas só têm dúvidas de férias e quem contratar para o catering para a festa na piscina de sábado à tarde. As Perfeitinhas têm crias perfeitas. Atenção que as Perfeitinhas que até são contra todos os estudos (até os mais crediveis) de sono, conseguiram que elas dormissem a noite toda só com recurso ao medicamento "colinho e maminha"...

Ao longo desta minha experiência de quatro meses e meio consigo perceber um padrão nas Perfeitinhas. Para elas a maminha é solução para tudo. É maminha e colinho, o medicamento milagroso!!!

Ora vejam:


A resposta "maminha e colinho" é a mais usada! Posso considerar um padrão certo?!

Hoje, como em muitos outros dias, foi publicado uma notícia (embora desatualizada pois é de 2013 e podem consultar aqui) sobre uma norma para preparação do leite em pó. Depois de muitas opiniões, umas que me fizeram mais sentido que outras, há uma Perfeitinha que resolve tecer o seguinte comentário: "LM o melhor 😁😁 sem alarmismos e sempre pronto 😁😁😁" Bas

Bastante oportuno a meu ver... Gerou-se respostas menos simpáticas infelizmente. Ou juro que me contive MUITO mas lá tive de lhe dizer que o LM não é solução para todas as mães, e que eu por exemplo até tinha um cancro... Era desnecessário!

Se o assunto não é LM, porque raio as pessoas tendem a ver isso como a solução para todos os problemas?! Juro que não percebo.
Não tenho nada contra quem dá de mamar, não tenho mesmo, infelizmente eu não sei o que isso é. A minha irritação é mesmo com as Perfeitinhas. Façam o que quiserem com as vossas margaridas agora não me chateiem se faz favor!

Se quiserem dar de mamar até sangrar, estou de acordo. Se quiserem dar de mamar até a cria ter idade para ir para a tropa, estou de acordo também. Se maminha e colinho é a solução para todas as maleitas das vossas crias, também estou de acordo. Estou de acordo e acho tudo isso muito giro só mesmo porque as margaridas e a cria não são minhas. Só acho que podiam limitar as sugestões de LM para as perguntas de LM e deixarem de atazanar a cabeça a quem não pode ou não quer dar de mamar. Sim, há quem não queira dar de mamar!!!

Andar ou não com a cria pendurada na teta não faz de nós melhores ou piores mães. Cada uma é a mães que pode e consegue ser.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Pontos


Bem, esta tabela já vos deve ser familiar, já aparece num post anterior. Mas como só agora é que consegui que me explicassem como isto das baixas funciona, resolvi partilhar novamente.

Tal como eu, acredito que muitos são aqueles que pensam que o médico nos manda ficar em casa por 3 meses (por exemplo) e nós lá vamos felizes e contentes com um papelinho na mão em que um dos exemplares se entrega à entidade patronal. Certo?! Errado!!
O médico bem nos pode mandar para casa o tempo de entender, mas vai ter de nos ver a cada 30 dias. Isso mesmo. Não há cá toma lá um papel e ficas em casa 3 meses ou 1 ano!
O médico diz-nos que não estamos aptos a trabalhar, mas não nos diz que passamos a trabalhar para a Segurança Social e Delegados Médicos.
Vou tentar explicar o que me explicaram a mim:


Ora bem, as baixas têm de ser renováveis de 30 em 30 dias independentemente do número total de dias a que a patologia em causa "obriga" ou que o médico entende. Até aqui tudo bem, não fosse isso influenciar (e muito) na percentagem a receber. Eu por exemplo não gasto 45% do meu ordenado base em deslocações... Mas como tenho um filho que até tem (infelizmente) uma bonificação por deficiência, até me acrescem 5%. Obrigada Segurança Social!
Bem, isto quer dizer que 12 dias de baixa (em que os primeiros 4 são de borla para pensarmos bem se queremos ou não estar de baixa, tipo período de carência) são pagos a 55% e o mesmo acontece com os 30 seguintes. Quando no sistema entra a terceira baixa, portanto 31 dias e até aos 90 dias, passamos a receber 60% e por aí fora até o número de dias ser superior a 365 e passamos a receber 70%.
Percebi o sentido de "baixa prolongada"... Baixa prolongada = Acumulação de baixas!
Cada baixa que dá entrada, é um novo processo que se abre na Segurança Social e, como a presença em juntas médicas é frequente e aleatória, corro o risco de ser notificada uma vez por mês, ou a cada processo... Conheço quem tenha ido de 2 em 2 meses... Era para terem a certeza que tinha cancro e que não os andava aqui a enganar!... Parece mal a meu ver, até porque as juntas médicas para atribuição de incapacidade, que até são pagas, estão a levar 4 meses. É no mínimo ridículo.

Parece um "sistema de pontos" de um supermercado... Acumule 30 pontos e ganha 55% de desconto, acumule 31 pontos e ganha 60% de desconto...

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Vitória 6,5

Ontem foi um dia bom!
Como sabem, o processo de correção do Pé Boto não tem sido fácil. O Pintainho tem uns pés muito rígidos e que teimam em não colaborar. Tem sido um jogo de paciência e colaboração que dura há 4 meses.
Sim, já tivemos várias "segundas opiniões" e são todas concordantes: tem uns pés muito maus!

Ontem na consulta, foi-nos dito o que tanto esperamos, na próxima terça feira o Pintainho vai deixar os gessos e vai calçar umas botinhas Dennis Brown:

Não são a coisa mais linda, mas não faz mal. Aqueles pezinhos que andam escondidos e que cheiram mal (6,5cm de pés mas que cheiram como quem calça um 46), vão poder finalmente ver a luz do dia e, mais importante de tudo, VAI PODER TOMAR BANHO!
Bem as botas vão estar nos pés 23 horas por dia, o que quer dizer que os primeiros banhos vão durar perto de 1 hora para desencardir, parece-me.

O protocolo do Método Poneti diz que a correção é possível em 2 meses, ou seja, 8 gessos. Após estes gessos,  feita uma Tenotomia ao Tendão de Aquiles e são colocados gessos que duram 3 semanas. Após estas 3 semanas, passam a usar as Botas Dennis Brown, em que a utilização diária vai reduzindo progressivamente.

O nosso Pintainho já vai com 14 gessos e uma Tenotomia. Apresar de a correção não estar onde se desejava, vamos continuar com o protocolo e dar um bocadinho de descanso à criança (e aos pais). Na esperança que os pés não regridam e que se tenha de voltar aos gessos. Tudo a fazer figas se faz favor!!

Para já o importante a reter é que os gessos vão à vida e ele vai poder andar de pernocas ao léu e tomar banho. É só isto que interessa por agora. Cada preocupação tem o seu tempo e não vamos pensar no resto.
Por agora temos uma vitória com 6,5cm!

terça-feira, 23 de maio de 2017

Sonhos


"TENHO EM MIM TODOS OS SONHOS DO MUNDO" - Álvaro de Campos


Uma coisa que aprendi, foi a não ter pressa. Cada coisa a seu tempo que isto não vale a pena andarmos para aqui a correr e a buzinar uns aos outros! Calma... o sinal já abre, a passadeira já fica livre e já podem seguir caminho.

Perguntam-me muitas vezes se faço planos. Muitos também me dizem que vai passar, que para o ano vai ser diferente, que o Gervásio vai morrer.
Não faço planos. Agora não. Deixei de fazer planos porque não sei se vou morrer. Esta é a verdade, ninguém sabe se eu vou morrer por causa disto. Os dias passam sem planos, vivemos agora e fazemos o que agora nos apetece. Se não existir amanhã não faz mal (o Super-Homem não vai ler isto, por isso posso falar assim)!
Hoje sou a mãe que o Pintainho precisa e amanhã começo de novo. É isso que interessa. Se amanhã eu não estiver cá, hoje ele teve o colo todo que quis, levou os beijinhos e apertões todos que deixou. Podem dizer-lhe isso, que a mãe o apertou, beijou e cheirou até à exaustão. Que lhe deu todos os colos que ele pediu. Pode ser?

Sonho em não morrer, para já (não quero ficar cá para cemente), em ver o Pintainho crescer, em ir de férias, voltar a trabalhar, ser eu novamente (se é que isso existe). Sonho em deixar os corredores do hospital, as trocas de gessos, as consultas e exames. Sonho em ir à farmácia comprar só papas ou uns simples comprimidos para as alergias. Deixar as seringas, os antibióticos, relaxantes e comprimidos para as dores. Sonho com cabelos compridos e margaridas (mamas para quem chegou agora) grandes e fofas.

Eu não faço planos, mas tenho sonhos. Tenho todos os sonhos do meu mundo.



Maquilhagem Katia Nunes
Fotografia Nuno Fernandes

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Cordas


Se o Gervásio nos deu alguma coisa de bom, foi o saber aproveitar cada momento em que cá estamos. Não nos queixamos, porque sabemos que a vida era muito boa. Agora também é boa, mas de uma maneira diferente. Agora tem de ser aproveitada ao máximo pois o amanhã pode não existir.
A taxa de sucesso para os Gervasios como o meu é bastante alta, mas não penso nisso. É uma perda de tempo e o tempo não é dinheiro mas é vida.

Estas são as cordas que me agarram à vida. É por eles que luto para cá ficar. É por eles que vou aos tratamentos e que aguento os poucos (mas chatos) efeitos secundários que tenho.
Os olhos doces do Pntainho dão-me serenidade e o braços fortes do Super-Homem seguram-me. Não preciso de mais nada.
Esta imagem é a resposta perfeita quando me perguntam como consigo. Carecas, de pernas engessadas e feridas a sarar, mas é assim que somos e não há motivo para disfarçar. Esta é a nossa perfeição atípica.

É isto que importa. Não são precisas palavras, basta-nos o silêncio e o bater do coração. Podíamos ficar assim, eternamente que era o bastante. Agora vivemos sem pressas e a aproveitar cada momento. Registamos os bons e esquecemos os maus. 



Maquilhagem Katia Nunes
Fotografia Nuno Fernandes

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Hormonas

No espaço de 7 dias, passei de grávida a menopausa induzida. Sim, ainda me doíam as costuras e já estava na menopausa!

O tempo entre o diagnóstico e o início da quimioterapia foi quase nenhum, e aqui a menina não quis perder tempo, por isso não fez o congelamento de óvulos (sim porque a quimioterapia causa infertilidade). Bem, acabada de parir e sem me poder sentar, pensar num segundo filho era (e é) algo que não estava nos meus planos.
Como a quimioterapia causa infertilidade, resolveram pôr-me os ovários a fazer oó. De quatro em quatro semanas levo uma injeção na barriga. Para dizer a verdade, não é uma injeção qualquer, aquilo parece um chip como os que se usam nos animais domésticos, tal não é a grossura da agulha.

A vantagem clara disto tudo é não ter o período! A última vez que tive tal aparição, já foi há mais de 1 ano. Acho que no dia em que o dito aparecer, vou ser uma pré-adolescente e desatar a gritar pela minha progenitora.

Desengane-se quem pense que as "hormonas saltitantes" é coisa de pré-adolescente porque não é. Se há "hormonas saltitantes" é na menopausa!
Uma pessoa fica com o termómetro avariado... Quente-frio, quente-frio, quente-frio.... Ufffffaaaa Não se aguenta esta bipolaridade!!! O termómetro já não estava bom com a falta do cabelo, agora mais isto.... Pareço uma maluca, está calor e eu saio à rua com casaco, está frio saio de careca ao léu. Se está frio, de repente tenho muito frio e de está calor, tenho muito calor.

Eu tinha tendência a dormir de pé de fora, agora durmo com os dois para equilibrar o termómetro.
Já imaginaram?? Não bastava o Super-Homem dormir com o Noddy e agora com os pés de fora?!

sábado, 13 de maio de 2017

Engenhoca

Com o início da quimioterapia, foi-me sugerido colocar um cateter central, um "Implantofix". Todos me falavam maravilhas, ao ponto de ter um "deja vu". Parecia que estava a ver o episódio de um programa de TV "ponha, ponha, ponha..."

Com a colocação desta "engenhoca", reduzia o número de picadas e deixava de correr o risco de os meus braços ficarem com aspeto de que andava metida onde não devia.
Como sou bem mandada, lá fui ao bloco colocar esta engenhoca de que todos falavam.


O "Implantofix" serve para duas coisas, tirar sangue e administração da quimioterapia. Mas a minha engenhoca tem vida própria. Pois é, parecia simples não é?!

Tenho isto à cerca de 3 meses e de vez em quando o rapaz insiste em não colaborar. Esta quinta feira estava novamente de mau humor e resolveu que dali não saia sangue. Fizeram de tudo, foi braço para cima, braço para baixo, ora olha para a direita, ora olha para a esquerda, agora tosse, vai de pernas para o ar... uma verdadeira odisseia. Foram cerca de  30 minutos de exercício e nada, dali não saiu sangue. Como não saiu sangue e tinha de fazer as análises semanais para me libertarem os medicamentos do tratamento, lá vai uma picada no braço para tirarem a litrosa.

Confesso que depois de todos me falarem maravilhas as expetativas eram altas, mas passado este tempo todo continuo a não saber se o amo ou odeio. É um misto. 
Sim, é muito prático para a administração da quimioterapia, mas só isso. De resto não gosto dele. Como sou magra vê-se, sente-se cada vez que me mexo e às vezes até me magoo. Nunca mais dormi da mesma maneira... 

A nossa relação tem um fim à vista, pois no dia em que me tirarem a mama ele vai com ela, que para mau feitio já chega o meu e ele merece alguém que o compreenda e sei que com o Gervásio vai ser feliz.

Eu já percebi que tudo o que pode eventualmente acontecer, vai acontecer. Tenho queda para o improvável. Parece que comprei um pack ilimitado de odisseias de mau gosto.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Burocracias

O estado não está preparado para um doente oncológico. Infelizmente não está.

Quando o Gervásio foi detetado, a oncologista deu-me um papelinho (em janeiro) para ir entregar no posto médico para tratar das isenções, assim fiz. Ao chegar ao posto médico, foi-me dito que ainda estava a decorrer a isenção por gravidez e que só quando terminasse (a 31-03) é que deveria entregar aquele. Como sou bem mandada guardei o papel religiosamente e assim que a isenção terminou, dirigi-me ao posto médico com o dito mas desta vez a resposta foi outra. Já devia ter entregue o papel quando me o entregaram a mim, portanto em janeiro.
Desengane-se quem pense que fui atendida por pessoas diferentes, porque fui atendida pela mesma pessoa!
Percebi que a pessoa em causa "empurrou o problema com a barriga", e mesmo depois de lhe ter dito que quem me deu a informação anterior TINHA SIDO ELA PRÓPRIA fez-se de desentendida! Bem, não querendo discutir porque achei que não nos encontrávamos na mesma frequência, lá fui com o papelinho ao balcão correto e lá me explicaram o que tinha de fazer.
Chegada a casa enviei por e-mail o pedido de marcação da junta médica, e eis que passados uns dias recebo esta brilhante resposta:



Andamos a trabalhar bem e depressa portanto! É que nem pagando se consegue uma resposta atempada.
Tenho muita pena que para as fiscalizações das baixas o tempo de espera não seja de 4 meses e ainda percam tempo a notificar as pessoas a comparecer a juntas médicas mais do que uma vez durante uma baixa de gravidez por exemplo. Gostava de saber, quantas vezes eu vou ser notificada a comparecer a uma junta médica depois da minha baixa dar entrada, se calhar sou mais rapidamente notificada por isso, do que a marcação desta acontece.
Esta junta médica, para além de me dar isenção das taxas moderadoras, também me dá (se assim entenderem claro) uma determinada percentagem de incapacidade, o chamado "certificado de multiusos". Este certificado, faz com que o meu Super-Homem tenha uma redução de 50% das contribuições à Segurança Social, por exemplo. Sempre ajudava um bocadinho o orçamento familiar, visto estarmos com uma redução de 45% no meu rendimento.

Termino amanhã a minha licença de maternidade e, estando eu com um Gervásio, não posso regressar ao trabalho na segunda feira, com muita pena minha. Ontem, dia de quimioterapia, pedi que me fosse passada a baixa médica, visto não ser uma pessoa que se pode dar ao luxo de estar em casa sem receber um tusto. Como a minha oncologista não estava, a baixa foi passada por uma colega. Agradecida pela disponibilidade!
Depois de receber o papelinho fui pedir esclarecimentos, pois a baixa só contempla 11 dias. Estranhei, visto a indicação que tenho é que não devo estar apta para trabalhar até ao final do ano. Recebi como resposta que a primeira baixa são só 12 dias e as subsequentes de 30 dias e que os médicos não estão autorizados a passar mais que isso. Enfiei a viola no saco, só porque as meninas da receção são umas queridas e fui pesquisar sobre o assunto.
Ora bem, o site da Segurança Social indica o seguinte:


Pergunto-me qual será o problema de passar uma baixa superior a 30 dias se é esse o "plano"... há coisas que me ultrapassam e esta é uma delas. Se estão previstas todas estas durações, porque raio os médicos não as conseguem emitir?! É que esta diferença de percentagens faz a diferença, principalmente quando se tem uma criança pequena!
Não me quero comparar a um doente com Tuberculose, mas nisto não consigo perceber a diferença.

Eu já não andava contente com estas burocracias mas esta foi a gota de água. Chego à conclusão, que os serviços administrativos só estão como estão, porque os nossos dirigentes não os utilizam, caso contrário a música tocava de outra maneira! Calculo que nenhum deles tenha tentado ligar para a linha de apoio da Segurança Social! SHAME ON YOU!!!

O estado paga todos os tratamentos de um doente oncológico, e ainda bem que assim é, caso contrário morreriam muitos. O estado apoia até doentes estrangeiros, fornecendo tratamentos e alojamento. Quando estou na quimioterapia até tenho direito a almoço e lanche. Não me posso queixar do atendimento, e aqui englobo médicos, auxiliares, enfermeiros e pessoal administrativo, mas quando toca a Segurança Social e Finanças já não posso dizer o mesmo.

Por isso digo que o estado não está preparado para um doente oncológico, não enquanto a máquina administrativa continuar a funcionar desta forma e a ser chapa cinco para tudo o que lhe aparece. Se têm de existir exceções, então que sejam para as pessoas portadores de doenças crónicas e que deixem de olhar para estes, como olham para uma alergia ou gripe.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Dia da mãe

Confesso que sempre fui uma péssima filha quando toca a estas datas festivas. Nunca liguei. Passava-me sempre ao lado e não conseguia decorar o dia nem por nada. Podia-me desculpar e dizer que é porque "antigamente" se comemorava o dia da mãe a 8 de dezembro, mas não é por isso. É mesmo porque nunca me lembro e podem trocar a data todos os anos. Há anos que recebo um telefonema em tom ameaçador a dizer "Ontem foi dia da mãe!"
A minha progenitora sofreu bastante!

Este ano já calhou-me a mim. Agora já posso comemorar o dia da mãe.
Sabem qual foi a minha prendinha?? Bem, chamar de "prendinha" é claramente um diminutivo... O Pintainho ofereceu-me uma fralda matinal daquelas até ao pescoço. Olhando para o lado positivo, não teve cólicas o dia todo. Não foi mau, porque dias de cólicas são de se fugir.

Se por um lado acho que é um dia muito "comercial", por outro também lhe acho alguma piada. Como se neste dia nos fosse permitido tudo só porque somos mães.
Foi um dia diferente, não por ser o dia da mãe, mas porque o Super-Homem iniciou a sua licença e está em casa por uns tempos.
Foi um dia repleto de cheiros, miminhos, colos, sestas em conchinha e monólogos a que o Pintainho simpaticamente responde com sorrisos e palreios, como quem está a perceber tudo o que lhe dizem. Foi um dia sem relógios, sem pequeno almoço na cama, sem flores ou postais, mas repleto de coisas boas.

Este foi o meu primeiro dia da mãe.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Heranças

Quando pensamos em heranças pensamos em coisas boas, pelo menos comigo é assim. Vem-me à cabeça, dinheiro, uma casa na terra, mas mais importante de tudo, lembro-me da família, dos valores, das memórias de infância, da terra do avô ou da avó, nas gerações passadas e futuras. Quando me falam em heranças só me vem à cabeça coisas boas, vinha, até ter um Gervásio a habitar a minha margarida.



Depois do diagnóstico, fui encaminhada para a Consulta de Genética em Santa Maria. Devido à idade é preciso despistar aqui alguma anomalia. Sou muito nova para ter destas coisas, mas ninguém avisou o Gervásio!
Bem, depois de duas consultas e a árvore genealógica feita (diga-se de passagem que a minha em termos de patologias é de fazer chorar as pedras da calçada), decidiu-se que valia a pena fazer uma recolha de sangue para análise do P53.
Apesar de ter confiança na médica e de gostar muito dela, não quis saber o que é que implicaria ter  um P53 defeituoso. Não vou sofrer por antecipação e caso isso aconteça logo se vê!

Já em casa, e porque a curiosidade matou o gato, resolvi pesquisar sobre este senhor. Bem, foi uma breve pesquisa, mas deu para perceber que é chamado por muitos como a "estrela dos genes" é o "gene supressor tumoral". Se há na minha singela pessoa um gene defeituoso para além do do mau feitio, é este. A "estrela dos genes"!! 
As mutações deste gene são encontradas em cerca de 40% dos cancros de mama, e com a sorte que eu tenho... Ainda vou ter de batizar mais este.

A recolha de sangue está feita e agora resta esperar para saber o resultado, mas agora penso, será esta a minha herança? Será esta a herança que tenho para o pintainho? Cada um dá o que pode, mas há limites...

sábado, 6 de maio de 2017

Corrente de ar

Ontem o Pintainho foi operado.
Depois de algumas horas de aperto (nos nossos corações fracos), damos por concluída uma das muitas etapas na nossa vida.

A Hérnia Inguinal Bilateral desapareceu e ao fim de quase quatro meses os testículos do meu Pintainho deixaram de ser gigantes. Sim, as Hérnias Inguinais fazem destas coisas!
Espreitaram a bexiga e está tudo bem e o rim vamos vendo a evolução nos próximos meses. 


Como já vamos estando habituados, e para não estranharmos, existe sempre um "mas", e ontem tivemos mais um.
A Tenotomia correu bem, mas o ar do ortopedista não enganava, vinha por ali um "mas". E veio mesmo! Os pés do Pintainho não estão como se esperava. "Tem uns pés maus... muito rígidos..." diz ele com um ar desconsolado como quem nos queria dar uma boa notícia mas só tinha uma notícia mais ou menos.
Após a Tenotomia os pés só alcançaram o "ponto neutro", quando se esperava que tivessem muito mais "elásticos" (virados para cima, a apontar para o céu).

Bem, isto quer dizer que vamos continuar com o tratamento planeado e esperar que os pés minúsculos do Pintainho resolvam começar a ser bons e que colaborem um bocadinho. Mas também não ficamos admirados de pertencer à percentagem dos que o Método Ponsetti não resulta a 100%, era só mais uma para a lista das probabilidades.
Agora são mais três semanas de pezinhos mal cheirosos engessados e passamos para as botas Dennis Brown (feias como tudo). Depois disto podemos ter de começar tudo de novo, mas isso logo se vê.

Até lá fechámos uma porta, mas abriu-se uma janela.... Estamos na corrente de ar portanto!


sexta-feira, 5 de maio de 2017

Breathes

Semanalmente percorro estes corredores. Para a quimo, para a troca de gessos, para consultas... clientes assíduos portanto.
Hoje percorremos mais uma vez estes corredores, de certo não será a última.

Ontem o Pintainho foi fazer mais uma eco, para confirmarem que estava tudo bem para a cirurgia que se aproximava. Passado cerca de uma hora recebo um telefonema, era o cirurgião pediátrico. Instalou-se o pânico e por momentos gelei, mas afinal eram boas notícias!
A Hidronefrose do Pintainho tinha melhorado. Era expectável que piorasse, como tem vindo a acontecer desde sempre mas não, desta vez melhorou. "Parece que não estamos a olhar para o mesmo miúdo" dizia ele. Descobriu-se hoje que afinal a Hérnia Inguinal é bilateral e não só à direita...

Ouvi atentamente tudo o que ele tinha para me dizer e o plano cirúrgico alterou-se. O rim foi posto de parte e vamos aguardar mais um tempo, com uma vigilância apertada, mas vamos aguardar na esperança que deixe de ter indicação para cirurgia. Hoje vai ser operado à hérnia, aos pés e vão ver o que se passa com a bexiga. Tudo de uma vez.

Hoje entreguei o Pintainho mais amoroso e querido de todos os Pintainhos, nas mãos dos que sabem e em quem confio. Está com os melhores dos melhores e vai correr bem, já não há vagas na lista das coisas que podem correr mal, não há! 
Apesar do doping o meu coração está apertado e o do Super-Homem também, mas ele é super e está aqui de pedra e cal sem dar parte fraca. Sim estou dopada, se não já cá andava a proteção civil de barco. 

Hoje os relógios têm um peso nunca antes sentido, parecem não andar, dou por todos os segundos e tenho um tic-tac na cabeça. Não se fala, não se engole, só se respira e repete-se vezes sem conta que vai correr bem.

Breathes... Take a deep breath... Its gonna be ok

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Acompanhantes


Se há coisa que me irrita ultimamente, são os acompanhantes! Não estou a falar daqueles acompanhantes que não se distinguem dos doentes, ou dos idosos ou de pessoas com algum tipo de incapacidade. Estou a falar daqueles acompanhantes que vêm para o hospital como quem vem às compras! E que na sua maioria ainda reclama pela demora. Estes acompanhantes a que me refiro, teimam em ocupar o lugar de quem realmente precisa, OS DOENTES!

Quem conhece o Hospital Dia Medico do HBA, sabe que a sala de espera é minúscula para o número de utentes de acolhe, o que faz com que a maioria esteja um bom par de horas de pé. Infelizmente está lotado.
Hoje, mais uma vez constato que o bom senso fica em casa, mais precisamente numa arrecadação esquecido e trancado a sete chaves. A sala de espera cheia, já não se respirava e deparo-me com uma data de acompanhantes (em bom estado aparente) a ocupar o lugar que quem precisa. Quando a sala começa a encher o que fazem?? Põem-se a mexer no telemóvel ou a ler um jornalinho.... coração que não vê, coração que não sente! Ignoram por completo a presença dos mais debilitados.

Felizmente o meu Gervásio é na mama e ainda consigo estar de pé, mas custa-me ver estas coisas menos simpáticas. Eu, quando vou com um acompanhante (de luxo por sinal porque estamos a falar do Super-Homem), ele fica de pé, só se senta quando eu me levanto ou quando há muitos lugares vagos. Como ele, há algumas pessoas que também se levantam para ceder o lugar a quem precisa, mas é uma espécie em vias de extinção confesso. De semana para semana, parece que esta nova espécie que ignora o mundo à sua volta está a aumentar a olhos vistos. Como a vespa asiática sabem?!

Bom, para quem ainda não percebeu, no Hospital Dia Medico existem pelo menos dois tipos de doentes, ou fazem quimioterapia (ao fundo à esquerda) ou fazem diálise (à direita). Por isso caros acompanhantes que estão agarrados ao telemóvel ou ao jornal, toca a levantar o glúteo da cadeirinha quando aquilo está cheio está bem?!

Agradecida!