domingo, 30 de abril de 2017

Quarto 118

Aqui, eu e o pintainho vivemos 72 horas.
Por esta porta entraram miminhos, beijinhos e abraços bons. Família e amigos quiseram vir ver o pintainho e alguns também me vinham ver a mim. Sim, o foco das visitas não era a minha pessoa, era o pintainho. Eu e o Super Homem já não interessávamos para nada porque a cria já cá estava fora e já tínhamos feito o nosso trabalho.

Durante 72 horas tivemos direito a visitas de todas as especialidades médicas que possam imaginar. Reviraram o pintainho de uma ponta a outra (distância curta por sinal visto só ter 42cm), à procura de qualquer coisa que fizesse sentido, mas não encontraram e acabaram por nos dar alta. Estava tudo normal, dentro do "nosso atípico".
Foi aqui que começámos esta viagem, a primeira para o três.

Estar neste quarto, embora fosse cansativo, tinha algo de apaziguador. Há sempre alguém por perto, como uma coruja atenta de olhos bem abertos. Há sempre alguém que controla chichis, cocós, mamadas e banhos. Se um pum a mais ou um arroto a menos é normal. Há lá sempre alguém! Quando me disseram, âs 19.30h de podia ir para casa, em vez de agarrar nas malas e sair, ainda perguntei "tem a certeza?...". 
Não sei ao certo quanto tempo levámos do quarto ao carro, mas sei que foi muito e ainda voltámos atrás para ir buscar o remédio do pintainho que tinha ficado esquecido no frigorífico da enfermaria.

Em casa não há nada disso e instala-se o pânico. Não há corujas atentas nem botões vermelhos que fazem as campainhas apitarem. Em casa há o instinto, a Saúde24, a Pediatra, as amigas e a progenitora. Que sorte a minha em ter amigas boas e informadas!

Lembro-me de o Super Homem pousar o ovo no sofá. Olhei para o pintainho e disse: "E agora? O que é que fazermos ao bicho?"

sábado, 29 de abril de 2017

Pedras da calçada

Ao fim de 28 anos visualizei o que outrora foi uma valente cratera. Sempre imaginei como seria, mas agora pude ver como é. Sim, eu tenho uma cicatriz na cabeça.

Lembro-me tão bem daquele dia... Era eu uma magricela de 5 anos, de óculos azuis e sem os dentes da frente. Não vou falar do penteado que a minha progenitora me colocou na tola se não choram... Estava na escola, na primeira classe e já tinha dado o toque de entrada.
Naquele dia tinha chovido a potes. O recreio da escola estava cheio de poças de água e aqui a menina resolveu ir apanhar pedrinhas, mas não se apercebeu que estavam uns lingrinhas, que por sinal eram meus vizinhos, a brincar com pedregulhos. Sim, estavam a atirar pedras da calçada uns aos outros. Giro não é?... Escusado será dizer que a brincadeira correu mal e quem estava a brincar com pedrinhas foi quem levou com o pedregulho na tola. Fiquei a ver estrelas!

De repente, eis que aparece uma moça que me agarra. Foi a única no meio daquela malta toda, sem contar com os proprietários do calhau que fugiram a sete pés, que se apercebeu do que se tinha passado e veio socorrer a donzela de carola partida. Ainda me lembro, ela tinha uma camisola de lã com motivos de natal, muito na moda naqueles tempos e que eu fiz o favor de sujar com sangue. Sim, eu limpei as mão à camisola da rapariga...

A partir deste dia ficámos amigas. A irmã dela (pessoa de quem gosto bastante por sinal) foi da minha turma muitos anos e andávamos todas na ginástica. Parecíamos piolhos saltitantes sem consciência do perigo. Afinal as pedras da calçada também dão um empurrão nas amizades.

Esta menina que outrora me amparou este golpe, continua comigo, passaram-se 28 anos imaginem. Ela, também uma mulher de luta e cheia de garra pois a vida não lhe tem sorrido sempre, merece ser registada, como uma forma de lhe agradecer por fazer parte da minha vida há 28 anos, uma vida.

Lembravas-te como tudo tinha começado?

Uma beijoca repenicada "à gaja boa" da minha vida!

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Quando o telefone toca

Sabem quando estão à espera de um telefonema? E quando esse tão desejado telefonema chega, temos medo de atender? Conhecem a sensação? 

Há um mês sensivelmente que estamos à espera que a cirurgia ao rim e hérnia do pintainho seja marcada. Foi adiada para se tentar incluir a Tenotomia do Tendão de Aquiles para correção do Pé Boto. Foi adiada por causa de uma infeção urinária. Foi adiada, adiada e adiada.

Na sexta feira o telefone tocou e eu não quis atender. Mas atendi, respirei fundo e atendi. Do outro lado estava uma voz simpática a informar-me da data da cirurgia. É no dia 5 de maio. Agora já está marcada.

A uma semana deste grande acontecimento já estou a panicar. Bem, para dizer a verdade eu já estou a panicar desde sexta feira quando atendi a chamada... Vai correr bem. Vou entregá-lo ao melhor dos melhores, aquele que só tenho boas referência e em quem confio, por isso tem tudo para correr bem. Eu, mãe coruja e com as hormonas desreguladas já nem durmo bem, mas o pintainho tem a casa toda desarrumada e precisa que alguém ponha ordem naquilo.

Dia 5 é dia de arrumar a casa ao pintainho e pôr um ponto final neste capítulo. Eu já mandei vir as drogas (das boas e legais), só para prevenir.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Volto já

Em outubro, quando o médico me mandou para casa para o pintainho ficar grande e forte, disse à minha Cátia, "Até já. Eu vou ali mas volto". Pensava eu que voltaria em junho, na pior das hipóteses julho...
Eu até gostava de trabalhar, aquela correria, o entra e sai... Gostava daquilo. Mas agora não sei quando volto. 

Na quinta feira voltei por um bocadinho, fui com o pintainho a duas consultas. Algumas caras novas, muitas cara habituais, o mesmo cheiro e a mesma azáfama. Muitos abraços e beijinhos dos bons e muita conversa para pôr em dia.
Assim como eu não me esqueci, eles também não se esqueceram.

Não foi a primeira vez que lá entrei desde outubro, mas desta vez foi diferente. Ao olhar para aquele corredor, vi-me a mim naquela mesma azáfama. Recordei com carinho e saudade todas as horas que lá passei. As pausas para café, os utentes que nos cumprimentavam e até os que gostavam de ignorar a nossa presença. Recordar foi como se estivesse a acontecer novamente, como se eu tivesse voltado a viver. Era eu novamente. Vi tudo com outros olhos.
Entrar ali na quinta feira foi como se voltasse a respirar. Saí da bolha e não me lembrei que carregava um Gervásio. Foi como se só tivesse sido mãe.

A vida pregou-me esta partida, de mau gosto convínhamos, e agora não sei quando volto. Quando voltar serei de certo diferente, não serei igual à que saiu. Irei saborear as coisas boas e ignorar tudo o resto.

Apesar de não saber o que a vida me reserva, não digo adeus, não para já.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Pés escondidos


O pintainho tinha 3 dias de vida quando lhe esconderam os pés. Taparam-nos com umas botas de gessos nada graciosas e que vão até às virilhas, para corrigirem o Pé Boto de que é portador.

Todas as terças feiras vai trocar as botas e corrigir mais um bocadinho. É um jogo de paciência e colaboração. Eu, que estou imunodeprimida não o podia acompanhar. Todas as terças me levantava para o arranjar e preparar a mala. O Super Homem ia com ele e eu ficava no vazio destas paredes à espera de notícias, à espera de uma fotografia. Era uma mera expetadora da evolução do meu pintainho.
Um dia, como em muitas outras terças feiras, o Super Homem sai para a troca das botas, mas quando entra o pintainho vinha de asas livres. Tinha feito duas feridas de contato e esteve uma semana de pernocas ao léu.

Em 100 dias de vida, desfrutámos destas coisas minúsculas e mal cheirosas (sim porque por mais que limpe com cotonetes, quando tiram os gessos cheiram a chulé) durante 10 dias. Foi este o número de banhos que o pintainho tomou, porque com gessos os banhos são dados "à gato". Durante estes 10 dias pusemos o pintainho de molho, foi até encarquilhar. E não é que ele gosta?!

Hoje, porque o Super Homem não pôde ir e o tempo já ajuda, fui eu. E fui eu que recebi a boa nova tão aguardada: os pés do pintainho já estão prontos para a operação.

Hoje não fui expetadora, hoje fui eu a contar as novidades e a enviar a fotografia. Hoje foi o meu dia.



domingo, 23 de abril de 2017

6 meses




Posso dizer, com toda a segurança, que estou 6 meses mais madura e que sei mais agora do que algum dia poderia imaginar. Se em outubro me tivessem dito que a minha história seria esta, provavelmente teria rido, nunca vi ninguém com uma história assim. 

Eu nunca mais vou ser a mesma. Aquela que está na fotografia de outubro já não existe, desapareceu, foi-se embora. A rapariga respondona e dona do seu nariz, deu lugar à mãe do pintainho de olhos doces. Uma mãe conformada com o que a vida lhe dá, que aprendeu a ouvir e respirar, e que nunca mais se queixou da vida. Vivo-a e sem pressas, tudo tem o seu tempo.

Em tempos, uma querida amiga com o nome Ana, disse-me que eu iria encontrar forma de viver e gerir tudo e para nunca desvalorizar as minhas necessidades. E assim foi, aqui em casa não há mimos nem colo de mais, há mimos e colo! Aquele que nos apetecer. Porque as memórias são feitas de cheiros e sabores, cheiro-o todos os dias e saboreio cada segundo que o tenho agarrado a mim.

6 meses separam as duas fotografias. O mesmo quarto, a mesma roupa e os mesmos cheiros. De ventre vazio mas colo cheio. Com menos cabelo, mais cicatrizes e sem dúvida nenhuma, muito mais amor.

Temos um bolo no forno!

Já há muito que a famelga me perguntava "Então e bebés??", "Já está na altura não?!". Com aquele ar ameaçador e como quem diz estás a ficar velha e vê lá se te despachas.
Era uma verdade que para nova eu já não ia, mas os bebés não vêm das cegonhas e às vezes estas coisas levam o seu tempo. Sabem que os bebés não são por encomenda certo?

Faz agora um ano que descobri que era portadora de um pintainho, tinha um bolo no forno! Na altura não contei a quase ninguém, mas contei às minhas primas Tatiana e Magda (que são gémeas já agora). Lá andámos nós a trocar mensagens e telefonemas, estávamos com o "excitex", como se diz cá por casa. E assim andámos mais ou menos uma semana, com as atenções centradas no bolo que eu tinha no forno. Ao fim de uns dias descobrimos que a Magda também tinha estado a cozinhar e também ela tinha um bolo no forno.
Claro que se as hormonas já estavam aos saltos, com isto ainda mais. É sempre giro estas gravidezes duplas. Os Super Homens juram que não combinaram.



Depois de se descobrir este feito, estava na hora de anunciar a boa nova à famelga e para não tirar protagonismo a ninguém, resolvemos fazer uma surpresa e contar ao mesmo tempo, e nada melhor que aproveitar o primeiro evento familiar disponível no calendário, neste caso a festa de aniversário da minha progenitora. Se ela achava que ia ter as atenções todas para ela enganou-se... Coitada, roubaram-lhe o protagonismo...
Lá lançámos a bomba e tivemos de tudo. Risos, silencio e até choro. Por momentos são sabíamos se tinham percebido e a minha irmã mais nova, que tinha 12 anos, desatou a chorar. Parecia uma Maria Madalena e ninguém percebia se era de alegria ou tristeza. Após largos minutos de choro, percebemos que era de tristeza. Afinal a "criança", que até já tinha juntado uns euros já não ia à Disney! Sim, era para ir à Disney connosco mas com os bolos no forno tínhamos de adiar e o mais próximo que ela iria ter da Disney era mesmo o canal da TV. A nossa avó que achava que ia morrer sem bisnetos teve logo direito a dois. Coitadinha nem pestanejava...

Ter um bolo no forno é bom, mas ter uma prima que também sabe cozinhar é ainda melhor. Sou-lhe grata por dividir as atenções comigo, graças a ela não corro o risco de me perguntarem "Para quando o próximo?". A família tem com que se entreter nos próximos tempos. Há para todos os gostos, que o bolo dela é cor de rosa.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Neste dia

Lembro-me deste dia como se fosse hoje.
Tinha ido fazer mais uma eco, a eco das 35 semanas. Esta era a meta desejada, o dia em que podia respirar fundo. Lembro-me de estar num congresso sobre prematuridade e todos me diziam, que às 35 já podia nascer, que já não era tão grave.

Neste dia, como em todos os outros desde as 22 semanas, a expetativa era somente que estivesse tudo bem, dentro das maleitas já identificadas.
Neste dia não nos disseram que estava tudo bem. Neste dia disseram-nos que os valores da artéria umbilical estavam alterados e que o pintainho tinha um abrandamento no crescimento, o fémur tinha menos 2mm dos que era suposto, e neste dia também nos disseram que poderia ser indicador de uma Trissomia. Tudo neste dia.

Depois desta avalanche, o Super Homem deixou-me em casa e foi tentar trabalhar para aliviar as ideias. 

Neste dia à noite, confesso que chorei as pedras da calçada e desejei que ele nascesse para podermos olhar para ele, na esperança que independentemente do que aí viesse os médico fizessem o melhor por ele. Se ele quisesse vir conhecer o mundo, às 35 semanas já não era mau.

Eu, no silêncio ensurdecedor da minha casa registei este momento. Não ouvia nada nem ninguém, nem queria. Queria ficar assim, calada só com ele, a ouvir os batimentos cardíacos que tinha gravados na memória.

Neste dia, uma querida amiga que sabia do sucedido, enviou-me este link: 9 meses
Ouvi vezes e vezes sem conta. Havia e há, algo de apaziguador nesta música.

Neste dia limitei-me a respirar. E, apesar de saber que não era uma boa incubadora, uma coisa eu sabia, fiz o melhor que pude.

Não sabia se desejava que nascesses ou que ficasses cá dentro mais um bocadinho. Enquanto aqui estivesses eras só meu. Neste dia pensámos que podias vir quando quisesses que nós resilientes no típico e atípico, cá estaríamos para te receber.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Ilhas

Para além de Gervásios, a quimioterapia mata as células de crescimento rápido, e é por isso que os pêlos caiem e as unhas ficam com um aspeto mau e muitas vezes também caiem.

Depois do choque inicial e de ter aceite a minha careca, foi a altura de "aproveitar" o que os químicos têm de bom: NÃO TER DE FAZER A DEPILAÇÃO! Há quem pague muito para ficar em modo bebé certo?

Pois bem, pensava eu que os pêlos iam cair como caiu o cabelo, mas não. A queda dos pêlos é uma verdadeira odisseia e os pêlos não caiem assim.

Ainda pensei que os químicos fossem seletivos e que preferissem matar só as células da cabeça, mas chego à conclusão de que quando Deus distribuiu os pêlos eu gostei da experiência e fui pelo menos duas vezes para a fila!! Sempre fui uma pessoa de muito pêlo, tipo macaquinho.

Os meus pêlos estão de tal maneira apegados a mim que não querem sair por nada. São persistentes e agarrados à vida, estão para ficar.

Agora com o Verão à porta dava jeito de se fizessem à vida para ver se eu me faço à minha.

Pareço o Oceano Atlântico com as ilhas da Madeira e Açores espalhadas pelo corpo!

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Já cá faltava!

Depois de me mandarem beber água de Fátima e sumos de frutos cujo nome não consigo pronunciar, tomar as cápsulas mágicas, acender velas e tudo o que se possa imaginar, esta ainda não me tinha acontecido.


Ora podia ter ido à net tirar esta imagem, mas não, desengane-se que pensa que foi isso que fiz pois aquele dedo é meu e esta foto foi tirada por mim no domicílio da minha progenitora. A vizinha da minha progenitora achou que eu precisava de qualquer coisa para animar e resolveu emprestar-me este livro, que por sinal lhe foi emprestado a ela. Diz que são salmos, confesso que nem abri pois o título chegava-me.

Não quero estar para aqui a ser ingrata e com blasfémias, mas vamos lá ver se nos entendemos. A minha porta está sempre aberta a todos e se o Senhor está em todo o lado, nem precisa de tocar à campainha e até pode usar o mesmo acesso que o Pai Natal. 

Depois de me rir e barafustar e claro, tirar esta foto, entreguei o dito à minha progenitora que prontamente e como sempre me pergunta: Já leste? O que é que lhe digo?... Diz-lhe que não trouxe os óculos - disse-lhe eu.
Mas porque raio os salmos me iriam animar?? É que ainda estou traumatizada com o salmo cantado pelo Diácono no meu casamento, mesmo depois de lhe ter pedido para não o fazer. E já se passaram dois anos.

Não quero ferir os sentimentos de ninguém, até porque os meus são grandes e fortes e este corpinho não aguenta tudo, mas fico sem saber o que fazer... Digo que não quero? Digo que não gosto? Posso parecer mal agradecida até porque a pessoa está a transbordar de boas intenções certo?

No outro lado do balcão

Sou rececionista numa clínica de desenvolvimento infantil e todos os dias nos entram pela porta pais e crianças, para consultas e acompanhamento. Muitos já prata da casa, com diagnósticos definidos e outros pela primeira vez. Uns com "maleitas" mais graves que outros.
Apesar do carinho que tenho por aqueles que já conheço e infelizmente nos frequentam assiduamente, são muitas vezes os pais pela primeira vez que me marcam mais. Aqueles que pelos próprios pés ou indicação de terceiros, procuram uma resposta para algo que sentem ser atípico e muitas vezes até querem ouvir que são bons pais e que não podiam fazer nada que impedisse tal diagnóstico.
Apesar de já trabalhar neste local há sensivelmente quatro anos, continuo a não me habituar aqueles que choram depois de receberem o diagnóstico, e se choram. Apetece-me chorar com eles e abraça-los muito.


No outro dia, quando o pintainho estava internado por causa da infeção urinária, entrou no quarto uma das Pediatras da Neonatologia, queria fazer umas perguntas para uma apresentação que tinha de fazer à equipa.
Depois de cerca de uma hora na conversa, percebi que agora era a minha vez de estar do lado de fora do balcão. Ouvir com todas as letras que, apesar de nada se desconfiar e de ele estar bem, será sempre um caso a ser vigiado, foi aterrador, mesmo quando estas palavras nos são habituais. Nada nos prepara para as possibilidades de algo existir. Nunca me imaginei do lado de fora do balcão sem ser para as consultas mensais de Pediatria.

Na nossa vida pouco mudou depois disto, também ainda não passou muito tempo e o pintainho acabou de fazer 3 meses, mas sei que será um longo caminho a percorrer. Fazemos buscas no amigo google para saber o que é ou não suposto o pintainho fazer em cada fase do desenvolvimento. Sem alaridos, sem pressas e sem chatear a Pediatra porque o cocó não tem cheiro ou porque não arrotou.

Estamos oficialmente em modo coruja, de olhos esbugalhados e bastante atentos. 

sábado, 15 de abril de 2017

Chapéus há muitos!!! E perucas!

Apesar de nunca ter tido um fraco por chapéus, já sabia que existia uma panóplia para agradar a Gregos e Troianos, agora e perucas??
Depois de pôr o meu coro cabeludo ao ar, tentei fazer uma breve pesquisa sobre perucas. A pesquisa de breve não teve nada, e acabei por desistir a meio e encomendar uma das primeiras que me apareceu e que (pensava eu) se assemelhava ao meu. 

Já alguém tentou pesquisar por perucas no eBay?? Experimentem, vão ficar surpreendidas com a originalidade que anda por aí.
Há para todos os gostos. Tamanhos e feitios que nunca imaginei. E as cores?? Falar-se de arco-íris é modéstia. Uma vida (das longas) não dava para usá-las a todas. Ao ver aquilo pergunto-me se as pessoas andarão na rua assim... Até pode ser "tendência", mas há limites, e algumas ultrapassam até a época carnavalesca. 



A escolha de uma peruca não é nada fácil e foi a essa conclusão a que cheguei. Nada se assemelha ao nosso cabelo, mesmo que mandem fazer uma com os seus próprios fios. Existem cabeleireiros específicos para perucas e até que faça um estudo de cor e corte antes da aquisição da dita. Pois eu cá não tive tempo para isso. Para não falar os custos associados. Sabiam que uma peruca pode custar cerca de 600€?

Depois de alguma pesquisa, comprei três (das baratinhas). A primeira nem sei descrever o que me faz lembrar, a não ser uma figura muito triste, a segunda já se come um bocadinho melhor, embora o Super Homem me tenha dito que fico um bocadinho Hippie, a terceira... bem a terceira nunca mais a vi que ficou retida na alfândega.
Mesmo com as perucas cá em casa ainda não fui capaz de sair à rua com aquilo. Parece que estou mascarada, para não falar no pânico daquilo me cair no meio da rua ou até voar com o vento. Já imaginaram?? É que eu já!! 

Existem algumas diferenças (como é óbvio) entre os nossos cabelos e as nossas perucas e em alguns casos as perucas saem a ganhar: podemos trocar de cor e penteado todos os dias, a peruca não espiga, pode apanhar uma chuva repentina que não frisa, a conta do cabeleireiro é muito mais baixa e para quem não tem paciência para estar com o glúteo horas num salão de beleza, pode lá deixar a dita e ir fazer as compras do mês que ela de certeza que não se zanga.



#careca #wig #peruca

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Máquina zero

A primeira coisa que me veio à cabeça depois de me dizerem que se confirmava que tinha um carcinoma, foi que ia ficar careca. Não ouvi mais nada a não ser cancro e o cabelo vai cair.
Passado o choque e ao iniciar o primeiro tratamento, foi-me dito que no dia do segundo, já deveria ir com o cabelo rapado, para custar menos. Como se isso fosse possível.

Eu que tinha o cabelo pela cintura, depressa o fui cortar pelo queixo. Parecia que tinha 12 anos com aquele cabelo e o Super Homem dizia que ainda ia preso por andar comigo na rua. Depois disso, e porque o tinha mesmo de rapar, sondei cá por casa se o Super Homem o podia fazer, mas ele não conseguia, ultrapassava os seus super poderes.
Por não querer ir a um cabeleireiro, recorri à família, e por circunstâncias da vida a coisa ficou entregue ao meu irmão João e a coisa ficou marcada para o dia em que iria fazer a minha sessão de depilação intravenosa.

Os dias foram passando e as vésperas chegaram, mais precisamente a véspera. Nesse dia acordei com uma dor no cor cabeludo, como quem dorme com um rabo de cavalo sabem?
O dia passou, e nessa noite de facto o cabelo começou a cair a um ritmo alucinante, era só passar a mão.

Depois de algumas lágrimas, perto das 3 da manhã e enquanto lavava os dentes, vi a máquina do Super Homem. Agarrei nela e num saco de plástico e fechei-me na casa de banho. Num ato, que a minha terapeuta diz ser de coragem mas eu continuo a achar que foi impensado e de loucura, agarrei na dita e pumba! Rapei a minha farta cabeleira! Quando o Super Homem deu por mim já estava careca.

Como estávamos em fevereiro e o frio ainda se fazia sentir, tive de começar a dormir de gorro, pois o frio que se fazia sentir na minha cabeça de alfinete (e juro que sempre achei que tinha uma cabeça grande) era indescritível. Apesar de o gorro ter um pompom todo fofinho, digamos que não é a coisa mais sexy. Eu parecia o Noddy de pijama!!! Sim, o Super Homem dormia com o Noddy.

O rapar o cabelo é o assumir perante nós e os outros que estamos doentes, e não de uma doença qualquer. É assumir que sim podemos morrer. É deixar de olhar para o espelho porque a imagem refletida não é a nossa, não aquela que cuidamos com tanto carinho até então, é como se os espelhos cá de casa se tivessem embaciado e me apresentassem uma imagem pouco nítida e disforme.

Posso dizer que assim como cortei o cabelo, cortei relações com o espelho até que ele me mostre uma imagem diferente, ou se transforme no espelho da bruxa da Branca de Neve.



#cancro #cancrodemama #carcinoma #careca #raparocabelo #quimioterapia

Nunca gostei de probabilidades

Confesso que as probabilidades nunca foram a minha praia, apesar de até ter tido uma boa nota na matéria.
Brincar com as probabilidades é o mesmo que lançar os dados, é andar no limbo. Hoje sei que andamos sempre no limbo, sempre a atirar moedas ao ar e esperar que saia cara ou coroa.
Qual a probabilidade de me sair o Euromilhões?

O meu pintainho desde as 22 semanas de gestação que apresentava um diagnóstico de Pé Boto Bilateral e uma Hidronefrose, também ela Bilateral. Felizmente, já perto das 30 semanas um dos rins recuperou e começou a apresentar valores normais. Se por um lado um dos rins recuperou, o outro foi sempre agravando e passou de uma Hidronefrose ligeira para mal formado num ápice.
Acabou por nascer às 38 semanas e 4 dias por desconfiarem que aqui a mãe estava com um Gervásio na mama (cancro para quem chegou agora).

Já cá fora, e de olhos abertos para este mundo, vimos a descobrir que é portador de uma Síndrome de Junção e é essa a causa da Hidronefrose. Para juntar à festa, apareceu-lhe uma Hérnia Inguinal, um Quisto ao pé da bexiga e a mãe recebeu o resultado da biopsia que confirmou que o Gervásio sempre existia.

Querem mesmo saber porque é que não gosto de probabilidades? Então cá vai:
- 1 em cada 1000 bebés é portador de Pé Boto sendo que 50% dos casos é Bilateral - Check Check
- 2% das ecografias detetam Hidronefrose Bilateral - Check
- 1 em cada 500 pessoas é afetada por este distúrbio - Check
- 22% dos casos de Hidronefrose necessitam de intervenção cirúrgica - Check
- 1 em cada 1500 nascimentos (com predominância no sexo masculino) é portador de Síndrome de Junção - Check
- 5% dos bebés são portadores, ou desenvolvem, uma Hérnia Inguinal - Check

Bem, não me vou alargar mais por que acho que já se percebeu.
Não vale a pena falar nos números relacionados com "os Gervásios" que são aterradores, mas não fiquem quietas e toca a apalpar as "Margaridas" e zonas vizinhas e em caso de desconfiança já sabem, médico. Não vale a pena arriscar que isto de ter um Gervásio dentro de nós is sucks!

Apesar de a probabilidade que me sair o Euromilhões, ser inferior a 1%, vou continuar a tentar acertar nesta.

A maternidade é... agridoce!

A maternidade é uma coisa espetacular sem dúvida, mas desengane-se quem pense que é tudo bom. Embora a parte má não se fale, não porque ela não exista, mas porque existe uma pressão para que seja esquecido e já mais contado. Certo é que rara aquela que não diz "tudo vale a pena"...
Não acredito que haja alguém que goste de sair a rua com a camisola cheia de bolsado, ou que goste de lidar com o choro das cólicas, ou mudar uma fralda bem recheada às 4 da manhã.


Os nossos pintainhos são a coisa mais fofa, a alegria dos nossos dias. Nisso não há dúvidas. Agora não percebo o porquê de só se partilhar isso, juro que não percebo! É que faz com que "as outras" sigam rumo ao desconhecido, como eu!!!
Apesar que gostar muito do meu pintainho, não me esqueço das dores que tive. A minha costura, cujo início é desconhecido, chegava ao vizinho da "Virgínia", e estava de tal maneira preta que estive um mês sem me sentar. Valeram-me as drogas (legais) de que tanto sou apologista.
Não gosto de me levantar de madrugada, principalmente com o pintainho em plenos pulmões como se a sua última refeição tivesse sido há 15 dias. Não gosto de um cocó até ao pescoço nem de birras, cólicas então...
Não acho que tenhamos de andar para aqui a falar disto a toda a hora, mas também não acho que quando nos perguntam abertamente como foi e como é, que se diga só meia verdade.

A maternidade é bom MAS é difícil, desde o primeiro dia. Deixamos de ser nós e começamos a viver em prol de um ser que ainda por cima não fala nem tem dentes. Não são os sonhos que comandam a vida, são os bebés!!!
Eles decidem tudo, desde as horas de comer, se saímos à rua ou não, se podemos ou não ter uma conversa com terceiros e por aí a fora. Acredito, sem verdade absoluta, que isto melhore e eu volte a ser um bocadinho dona de mim. Mas também desconfio, que penso assim porque me foi incutido. Acho que quando chegar a altura de o pintainho ir para o quarto dele, eu e o meu Super Homem temos de nos apresentar novamente, como se o tempo tivesse voltado atrás pelo menos 13 anos.

A maternidade é agridoce, como uma rosa, e as rosas também têm espinhos.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Tratamento completo


Hoje tive direito a tudo, um carrinho cheio de frascos de químicos. Foi desde o soro aos anticorpo, e ainda um pulinho na "depilação química" como costumo chamar. O melhor é mesmo o anti-histamínico que nos dão, que nos mete a dormir que nem anjinhos e até dá direito a ver elefantes às bolinhas.


Hoje foi demorado, cerca de 5 horas. Nas primeiras 3 horas, porque as restantes transformei-me em anjo, vi de tudo. Vi enfermeiros e auxiliares simpáticos atarefados, carecas e cabeludos, vi os que já são prata da casa e aqueles que vão pela primeira vez.

Os que vão pela primeira vez, como eu em janeiro, vão ao desconhecido, nada nos prepara para a real realidade de levar com uma litrosa de veneno nas veias.

É duro, muito duro. Uns não dizem nada, outros tentam manter a compostura e brincar com a situação e outros choram. A esses da vontade é de agarrar no nosso carrinho de químicos e dar-lhes um abraço. Será que têm quem lhes dê um abraço? Como eu tive...


#cancro #cancrodemama #quimioterapia #anticorpos

Blá Blá Blá

Aprendi recentemente, que todos têm um palpite acerca do meu estado de saúde. Pior, acham-se no direito de dar palpites. Lá está, o não ter cabelo é o cartão de visita do Gervásio (cancro para quem chegou agora).

Não me estou a referir a quem me conhece, estou a falar da amiga do conhecido da vizinha do 2ºesq. que ouviu falar que o fruto com um nome que só soletrando, é bom mas não sabe ao quê. Estou a falar dos que me oferecem cápsulas de um cogumelo mágico que faz milagres, principalmente aquele que está no topo da pirâmide que teve um tumor cerebral e que ficou curado só a tomar aquilo. Estou a falar até de quem se cruza comigo na sala de espera do Hospital Dia e me manda para "a dietista" porque é muito bom e a curou, embora a criatura seja frequentadora assídua daquelas instalações acerca de 3 anos (dito pela própria).

Consigo perceber que o desespero leve as pessoas a recorrer ao "alternativo", desde que não mo impinjam a mim. Cada um com as suas crenças, não fosse ter-mos de gostar todos da mesma cor e com a sorte que eu tenho ainda me calhava o lilás. Agora podiam não me encher as orelhas com isso.
Percebo este sentimento de entreajuda, mas não percebo este falso direito a opinar sobre a minha vida e do meu Gervásio. 


Para evitar ferir os sentimentos alheios, porque o meu pavio também é curto, entro e saio em pezinhos de lã para que ninguém dê pela minha pessoa. Mas parece que atraio.

Os que me estão próximo, amigos, família e conhecidos têm sido amorosos, e têm-me dado dicas ótimas, aqueles que não sabem o que dizer permanecem em silêncio. Todos eles estão aqui, mais ou menos ruidosos, e o melhor é que não fingem que nada se passa. Todos eles encaram o Gervásio de frente e não me falam em curas milagrosas. Falam-me de água com PH melhor, falam de cremes bons para as pernas, falam de cabeleireiro para as perucas e de lenços giros. Para não falar que tenho recebido uns abraços ótimos.

O Gervásio não é só meu, é de todos os que fazem parte da minha vida e só! O Gervásio não é dos que se cruzam comigo na sala de espera ou na rua, o Gervásio não é dos que não conheço!

Os meus podem opinar, o resto é Blá Blá Blá!!!

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Super Homem



É oficial: TENHO UM SUPER HOMEM E NÃO SABIA!


Eu e o Pedro estamos juntos há 13 anos, uma vida.
Já há muito tempo que o considero o meu melhor amigo, o meu companheiro no bom e no mau, o meu mais que tudo, não fosse ele aturar o melhor e pior de mim. E o pior é mesmo mau!
Pensei que ao longo destes 13 anos já seria difícil achar que não o conhecia, mas enganei-me. Existia dentro dele um Pedro escondido e à espera da melhor altura para se revelar. Apesar de durante as longas 38 semanas de gestação o ter tido sempre a meu lado, novamente no bom e no mau, foi no dia 14 de janeiro que a minha vida mudou. Não só porque fui mãe de um pintainho lindo e pequenino, mas porque o meu marido deixou sair cá para fora o ser até então oculto dentro dele.

O Pedro até então conhecido já era bom. Ajudava na lida da casa, sabia fazer compras, pagava as contas, era um excelente companheiro (até no silêncio) e etc, mas este que apareceu agora é muito melhor! Não só faz tudo o que o outro fazia, mas ainda é um pai extraordinário e que não precisa de mim para nada. Ele é consultas, compras de roupa, massagens para as cólicas e encara sem problemas uma boa fralda cheia! Este Pedro é uma versão bem disposta do anterior, que ria pouco infelizmente, e que deixou de fugir quando vê alguém com uma maquina fotográfica na mão. Agora até pede para lhe tirarem fotos e recentemente aderiu a moda das selfies.

É como se tivesse tido um "upgrade da Bimby" cá em casa!

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Ter cornos é bom!

Quem diria que algum dia iria dizer uma coisa destas, mas é verdade.

Este bicho que se apoderou com todas as suas forças da minha singela "Margarida", é dos maus, daqueles que se espalham como se o nosso corpo fosse a última Coca-Cola do deserto. É um "Carcinoma Invasivo (G2) com linfo-angio invasão HER.Positivo Score 3+". Quase que dava para uma marca de um carro sei lá!
Como o meu cérebro parou quando ouviu a palavra "Cancro", não ouvi patavina do que me estavam a dizer e só fixei "Cancro" e "o cabelo vai cair", resolvi, por indicação de amigos claro, ir pedir uma segunda opinião.

Fui à Fundação Champalimaud ouvir atentamente o que tinham para me dizer, já depois do choque inicial ter passado, apesar de eu continuar a chorar as pedras da calçada. Percebi que estava a ser muito bem acompanhada, mas com o meu histórico de "audição seletiva", amorosamente fizeram-me literalmente um desenho.

Bem, sempre ouvi dizer que tudo tem dois lados: o lado bom (+) e o lado mau (-). Já não bastava ter cancro e ainda tenho o lado bom vazio?! Pois é, está vazio e o lado mau carregadinho de coisas. Mas nem tudo é só mau, existe uma luz ao fundo do túnel em forma de seta.
O meu cancro, Gervásio como gosto de lhe chamar, tem cornos!!

Afinal, quando os Gervásios têm cornos é bom, porque aparentemente há um medicamento milagroso que os destrói. Mata o Gervásio!


Estou feliz, não por ter um Gervásio, mas por ter um Gervásio com cornos, caso contrário não existia seta que me safasse...


#carcinoma #carcinomainvasivo #herpositivo #score3+ #cancro #cancromama

terça-feira, 11 de abril de 2017

E Deus onde está?


Se há coisa que guardo é o teu sorriso e a tua bondade. Ficámos mais pobres, muito mais pobres, porque morreu uma das melhores pessoas que conheci, aquela que era verdadeiramente boa e genuína.

Se recuperar de uma perda já é difícil, recuperar de uma perda de alguém genuinamente bom e que só nos faz bem, é impossível!

Não recuperei e acho que não vou recuperar, porque me fazes muita falta. A todas nós aliás.

Estava deitada no hospital numa das minhas sessões de quimio quando recebi a notícia. Para ser mais precisa estava a preparar-me para vir embora. Comigo estava o meu marido e uma grande amiga e foi ela que me contou que a MSP tinha morrido. Com ela morreu o bebé que ela carregava com 22 semanas de gestação. Foi uma morte prematura e sem explicação. 
Se já me sentia revoltada com tudo o que me tem acontecido, esta foi a gota de água. Continuo revoltada e confusa, tento perceber o sentido de tal acontecimento mas não encontro.

Tínhamos estado juntas na semana anterior e combinado qualquer coisa para o dia seguinte. Esse dia nunca chegou e eu não lhe pude dizer o quanto gostava (e gosto) dela. Nunca consegui telefonar de volta...

Se da sua presença ficou alguma coisa, foi o fazer-nos acreditar que há pessoas boas, verdadeiramente boas. Ensinou-nos a ver a bondade, a sorrir, a aproveitar tudo o que a vida tem de bom. Só coisas boas! Obrigada MSP!

Eu, desacreditada com a vida e com o que ela me reservou, dei por mim a agradecer por cá estar e poder olhar para o meu pintainho todos os dias. Agradecer por poder continuar rodeada de pessoas de que gosto.
Apesar de agradecer o facto de estar viva, não paro de me questionar: Onde está Deus? Com tudo isto posso questionar a sua existência certo? 

Tenho um bicho dentro de mim e dos maus!


Dizem que volta a crescer, "não te preocupes que ele cresce"... É visto por muitos como um acessório, que se transforma consoante as modas, mas para mim, é parte da minha identidade. A pequena de cabelos compridos vai ser só a pequena por uns tempos. Com ele vai uma parte de mim, mas só uma parte, a outra fica certamente mais forte e resiliente, embora magoada com a lei da probabilidade, confesso. Com isto, vi que não me enganei em relação aos que me rodeiam, e estou grata por todos existirem na minha vida. Estejam longe ou perto, mais ou menos presentes, família, amigos, colegas, o meu marido e melhor amigo, o meu filho, todos! Estou mesmo muito grata.

Aprendi, forçadamente é certo, que embora a vida seja nossa, somos meros atores e que o guião não é escrito por nós e os tapetes não servem só para limpar os pés, também servem para ser puxados. O tombo que nos enfraquece também nos torna mais fortes, dizem!
Aos que me virem nos próximos tempos, vou estar diferente. Podem rir e chorar, podem o que vos apetecer, porque vale tudo e não vou ficar triste.
A vida já devia saber que sou teimosa e que a lista de coisas que tenho por fazer ainda vai no início e morrer não faz parte dela!

E foi assim que, depois de comunicar aos mais próximos, decidi comunicar ao "mundo social" que tenho cancro de mama. Não só porque a gestão de quem sabe e não sabe já se tornava difícil, mas para não apanhar desprevenidos aqueles que queriam vir conhecer o pintainho. Confesso que foi também uma tentativa de aceitação do que me estava a acontecer. Afinal de contas não foi justo, sou nova, tinha acabado de ser mãe... Não é suposto ser o melhor momento das nossas vidas?? Continuo com o sentimento de injustiça, mas acho que esse vai cá permanecer até ao fim. É que para além de não achar justo, sinto-me roubada! É como se alguém tivesse entrado cá em casa e me tivesse levado tudo o que tinha de melhor.
Uma coisa é certa, não me enganei mesmo com os que estão à minha volta, até sinto que os subestimei...

Não ter cabelo é horrível, não só por causa do frio, mas porque é o reconhecimento de que estamos com um bicho destes dentro de nós. Eu tenho um bicho dentro de mim e é dos maus! 
Nunca me tinha apercebido o quanto os pêlos do nariz nos fazem falta... mas fazem! Na realidade, se lá estão é para alguma coisa, mas só agora é que fiz essa descoberta brilhante.
No meu dia-a-dia tento olhar só para o positivo: não gasto rios de dinheiro no cabeleireiro e cremes, não perco tempo a esticar ou encaracolar, posso escolher a cor e feitio sem grandes preocupações. Mas não deixa de ser horrível. Não ter cabelo é mau!!

#cancrodemama #bichomau #careca

A decisão de ter um filho

Em 2011, sem nada planeado, descobri que estava grávida. Foi o choque, nada planeado, sem empregos fixos, a vida a mil, enfim, um conjunto de circunstâncias que nos fizeram pensar que não seria a melhor altura para tal acontecimento. Mesmo assim decidimos "agarrar o touro pelos cornos" e seguir em frente com tal acontecimento, estava na altura e pelas minhas contas de 5 semanas.
Os dias foram passando e já habituados à ideia do que aí vinha, no dia em que fazia 12 semanas, o pior aconteceu. Lembro-me de me levantar, ter uma hemorragia e de entrar em pânico. O mundo acabou naquele dia!

Passados 6 anos, e já depois de estarmos casados há 1 ano, achámos que estava na altura de "dar o passo seguinte". Confesso que após passar 6 anos em negação pelo sucedido, em que dizia com toda a certeza deste mundo e outro que não queria filhos, foi difícil passar das palavras ao ato em si, mas como quem tem um marido como eu tem tudo, literalmente tudo, lá consegui ultrapassar o medo que outrora pensei ser uma certeza.
Os meses foram passando sem que existissem novidades, os testes de gravidez só me davam um traço e os de ovulação continuavam a não se rir para mim. Passados 12 meses achámos, mais eu até, que seria altura de alguém ajudar aqui no processo porque os bebés não vêm das cegonhas e rezar já não era suficiente.
Lá iniciamos nós o tão penoso processo de ter um filho. Entre consultas na MAC e médico particular, iniciei a toma de Progesterona para tentar ajudar, visto não existir nenhuma explicação médica e lógica para a cria não aparecer. 

A 21 de Maio de 2016, após 7 dias de atraso o teste resolveu falar comigo!!
Foi um misto de sentimentos. Não sabia se ria ou se chorava, e se chorei, como uma Maria Madalena!
A vinda de um filho não substitui uma perda, nada substitui uma perda. E destas perdas pouco se fala e pouco se permite. O medo que senti quando este teste resolveu falar comigo, foi indescritível. Medo de tudo e principalmente porque ele só me dizia "2-3" e ainda faltavam 10 para ultrapassar a barreira anterior.

Foram 10 semanas longas que felizmente consegui ultrapassar. Afinal qual é a probabilidade de me acontecer novamente?! Certo??

Com isto já cumpri com duas estatísticas:
1) 20% das gravidezes terminam em aborto espontâneo antes das 12 semanas;
2) 1 em cada 4 casais tem problemas em engravidar.

#aborto # engravidar

A nossa historia



O meu nome é Paula, tenho 33 anos e sou casada com o Pedro de 40. Estamos juntos há 13 anos e casados há 2. O Pedro é Informático e eu Administrativa e tínhamos uma vida bastante agitada. Até que decidimos "ser crescidos" e alargar a família.
O nosso pintainho Quim, agora com 3 meses nasceu com Pé Boto Bilateral e uma Hidronefrose grave à direita.
Não se pode dizer que são anomalias graves, são acima de tudo chatas e de correção demorada. Pelo menos é assim que o encaramos.
Grávida de 38 semanas e 3 dias, o parto do Quim é induzido por suspeitarem que eu tinha um Carcinoma maligno. Passámos, em poucas horas, de futuros pais a pais em que a mãe tem cancro de mama.
Foi aqui que as nossas vidas mudaram!
Tem sido uma viagem com muitos obstáculos que temos vindo sempre a conseguir ultrapassar, mas nada nunca nos preparou para o que estava para chegar. A nossa vida era muito, mas mesmo muito boa, e nós não sabíamos.
#peboto #cancrodemama #hidronefrose