sexta-feira, 14 de abril de 2017

Máquina zero

A primeira coisa que me veio à cabeça depois de me dizerem que se confirmava que tinha um carcinoma, foi que ia ficar careca. Não ouvi mais nada a não ser cancro e o cabelo vai cair.
Passado o choque e ao iniciar o primeiro tratamento, foi-me dito que no dia do segundo, já deveria ir com o cabelo rapado, para custar menos. Como se isso fosse possível.

Eu que tinha o cabelo pela cintura, depressa o fui cortar pelo queixo. Parecia que tinha 12 anos com aquele cabelo e o Super Homem dizia que ainda ia preso por andar comigo na rua. Depois disso, e porque o tinha mesmo de rapar, sondei cá por casa se o Super Homem o podia fazer, mas ele não conseguia, ultrapassava os seus super poderes.
Por não querer ir a um cabeleireiro, recorri à família, e por circunstâncias da vida a coisa ficou entregue ao meu irmão João e a coisa ficou marcada para o dia em que iria fazer a minha sessão de depilação intravenosa.

Os dias foram passando e as vésperas chegaram, mais precisamente a véspera. Nesse dia acordei com uma dor no cor cabeludo, como quem dorme com um rabo de cavalo sabem?
O dia passou, e nessa noite de facto o cabelo começou a cair a um ritmo alucinante, era só passar a mão.

Depois de algumas lágrimas, perto das 3 da manhã e enquanto lavava os dentes, vi a máquina do Super Homem. Agarrei nela e num saco de plástico e fechei-me na casa de banho. Num ato, que a minha terapeuta diz ser de coragem mas eu continuo a achar que foi impensado e de loucura, agarrei na dita e pumba! Rapei a minha farta cabeleira! Quando o Super Homem deu por mim já estava careca.

Como estávamos em fevereiro e o frio ainda se fazia sentir, tive de começar a dormir de gorro, pois o frio que se fazia sentir na minha cabeça de alfinete (e juro que sempre achei que tinha uma cabeça grande) era indescritível. Apesar de o gorro ter um pompom todo fofinho, digamos que não é a coisa mais sexy. Eu parecia o Noddy de pijama!!! Sim, o Super Homem dormia com o Noddy.

O rapar o cabelo é o assumir perante nós e os outros que estamos doentes, e não de uma doença qualquer. É assumir que sim podemos morrer. É deixar de olhar para o espelho porque a imagem refletida não é a nossa, não aquela que cuidamos com tanto carinho até então, é como se os espelhos cá de casa se tivessem embaciado e me apresentassem uma imagem pouco nítida e disforme.

Posso dizer que assim como cortei o cabelo, cortei relações com o espelho até que ele me mostre uma imagem diferente, ou se transforme no espelho da bruxa da Branca de Neve.



#cancro #cancrodemama #carcinoma #careca #raparocabelo #quimioterapia

2 comentários:

  1. Paula, passei pelo mesmo há 2 anos ainda não tinha a minha filha 2 anos. Fui operada, fiz quimio, radio e este ano fui novamente operada porque o meu cancro é genético e tenho propensão a ter outros iguais. Tirei tudo de feminino em mim mas coloquei próteses. Quando fiquei careca, comprei peruca mas não consegui usar muitas vezes. Era estranho e desconfortável. Usava bonés, lenços e nada :) Tudo de bom e em breve tudo será passado que nos marca mas que também nos ensina. Continue a escrever :)

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    1. Olá Joana,
      Obrigada por seguir o blog.
      Ainda estou à espera dos resultados das análises para saber se se trata de uma questão genética ou não.
      Ainda tenho um longo caminho pela frente, mas é bom saber de casos de sucesso como o seu.
      Obrigada pelas suas palavras.

      Um beijinho

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